Pirâmides financeiras: o que o futuro nos reserva em termos penais?

Cada vez mais em evidência na cobertura jornalística, as pirâmides financeiras são golpes que movimentam bilhões de reais todos os anos. Segundo um levantamento realizado pela InfoMoney, baseado em dados oficiais, nos últimos cinco anos, 4 milhões de brasileiros tiveram um prejuízo estimado em R$ 40 bilhões. Um outro levantamento, realizado pela reportagem do Fantástico, considerou um recorte de seis anos, e identificou uma perda financeira de R$100 bilhões para 2,7 milhões de investidores, envolvendo pirâmides que utilizavam as criptomoedas como oferta.

A relevância do assunto tomou tamanha dimensão, que a Câmara dos Deputados instaurou em 2023 uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o assunto, a CPI das Pirâmides Financeiras, que recomendou o indiciamento de ao menos 45 pessoas por envolvimento no esquema. No Brasil, além dos prejuízos bilionários, a formação de pirâmides financeiras é punida criminalmente, ainda que não exista uma tipificação específica para esta conduta.

O tema segue sendo discutido por parlamentares e por diversos setores da sociedade, no sentido de inibir a prática. Com isso, podemos ter em breve novos desdobramentos penais, com a criação de novos tipos penais e endurecimento de penas. Antes de contar mais sobre o que teremos em um futuro próximo no combate a essas fraudes, vamos revisar o que é uma pirâmide financeira e como se proteger para não ser uma vítima desse crime financeiro.

O que é uma pirâmide financeira?

Em linhas gerais, pirâmide financeira é um golpe que consiste na criação de uma espécie de fundo de investimentos com a promessa de retornos acima da média do mercado. A partir disso, a ideia é atrair cada vez mais investidores, que vão alimentando o crescimento do esquema.

O método da pirâmide financeira é utilizado de diferentes formas, simulando investimentos no mercado financeiro ou por meio de produtos, que servem apenas como uma isca de adesão. Os primeiros a investir vão recebendo alguns dividendos e se convencendo de que o investimento é seguro e lucrativo. Muitas vezes, estes investidores iniciais são estimulados a buscar novos investidores, apoiando a causa e fortalecendo a pirâmide. O problema é que esses primeiros estão sendo pagos com parte do dinheiro investido dos novos aderentes.

A pirâmide entra em ruína em duas ocasiões: ou quando novos investidores param de entrar no ciclo, o que inviabiliza a cessão de dividendos aos demais membros da pirâmide, ou quando os líderes do esquema decidem se apropriar dos valores investidos para si. Ou seja, uma pirâmide pode fechar seu ciclo em pouquíssimo tempo ou em anos, caso não seja descoberto antes.

Identificando uma pirâmide

São vários os sinais que nos permitem identificar a existência de uma pirâmide ou fraude similar. O primeiro deles é a oferta milagrosa. Se está sendo oferecido um retorno financeiro muito maior do que se costuma ver por aí, é bom ficar alerta. Outro fator que pode ser observado na maioria das pirâmides é a inexistência de regulação, seja da empresa prestadora do serviço ou da atividade da qual ela afirma prestar serviço. Por exemplo, uma corretora que não tenha autorização da Comissão de Valores Mobiliários para atuar é uma bandeira vermelha, sem dúvida.

Os gestores de pirâmide também usam de outros artifícios para convencer os incautos, mas que podem servir como um sinal de que algo não está certo, como os discursos eloquentes sobre prosperidade e o uso de influencers com o intuito de dar mais credibilidade ao negócio. Outro recurso bastante utilizado nas agressivas ações de convencimento é a ostentação em rede social. Carros luxuosos, iates, mansões, roupas de grife, entre outros itens, surgem como uma espécie de prova social de que aquele investimento é seguro.

Histórico

É difícil precisar onde e quando a fraude da pirâmide financeira surgiu, mas é bastante costumeiro que sua criação seja creditada ao imigrante italiano Charles Ponzi, que desembarcou nos Estados Unidos no ano de 1903, aos 20 anos de idade, sem absolutamente qualquer espécie de capital, mas que faria fortuna e entraria para a história dos crimes financeiros.

Durante seus primeiros anos na América, Ponzi trabalhou em diversas funções, inclusive em um banco, mas também cumpriu alguns anos na prisão, por alguns delitos menores. Até que em meados de 1919, Ponzi se inspirou num antigo ditado inglês: “roubar de Pedro para pagar a Paulo”. Ele descobriu que um selo de resposta internacional dos correios custava significativamente mais barato na Europa do que nos Estados Unidos. O visionário passou a importar os selos e a revender em solo americano. Mas ele precisava de aporte financeiro para dar vazão às suas operações. Então, passou a anunciar que aquele que investisse seu dinheiro nesse negócio de venda de selos, teria 50% de lucro em 45 dias e até 100% de lucro em 90 dias, uma oferta irresistível.

Com o dinheiro dos novos investidores, Ponzi ia arcando seus compromissos com os investidores iniciais, dando-lhe rápida credibilidade e fama. Mais e mais investidores passaram a apostar nesse negócio, e em poucos meses Ponzi acumulou muito dinheiro. Passou a viver uma vida de luxo e a investir em outros negócios, enquanto mantinha toda a operação de investimentos de forma completamente deficitária.

A ascensão de Ponzi e suas promessas altamente lucrativas chamaram a atenção do jornal Boston Post, que passou a investigar o caso e, tão rápido quanto sua construção, a pirâmide ruiu. Acuado, Ponzi se entregou às autoridades e recebeu duas condenações. Na década de 30, foi deportado para a Itália e, anos mais tarde, se mudou para o Brasil, onde morreu em 1949, longe da riqueza que conseguiu na América.

O esquema de Ponzi inspirou – e ainda inspira – outros esquemas. O maior deles foi o liderado por Bernie Madoff, nome forte de Wall Street, que causou prejuízos estimados em 65 bilhões de dólares. Madoff iniciou no mercado financeiro em 1960, chegou a ser presidente da Nasdaq e arregimentou investidores de peso, de grandes bancos a celebridades. O investidor usava da filantropia como artifício para ganhar ainda mais credibilidade junto às pessoas. Ativo por muitos anos, o esquema só foi revelado com a crise de 2008, que fez com que muitos investidores solicitassem saques. Sem fundos, tudo desmoronou. Madoff morreu na prisão em 2021, aos 82 anos.

No Brasil, o histórico de pirâmides e esquemas similares também é longo. Nos anos 90 e nos anos 2000, o investimento em criação de gado e de avestruz era um chamariz para vultosos retornos financeiros – que na prática eram impraticáveis. Atualmente, os principais casos giram em torno da promessa de altos ganhos com o investimento em criptomoedas.

Criptomoedas, a nova moda

As criptomoedas, também chamadas de ativos digitais, são uma forma inovadora e disruptiva de investimento. A moeda virtual é um dinheiro descentralizado, não lastreado, que tem seu valor definido pelas oscilações de ofertas e demandas. Naturalmente, por movimentar um valor exacerbado ano após ano, o mundo cripto também se tornou alvo de golpistas e fraudadores. Com isso, muitos esquemas de pirâmide têm a cripto como meio, ou apenas como pretexto, como uma isca para a execução do esquema.

Como manda a cartilha, cria-se uma oferta de investimentos em cripto com retornos fixos em uma porcentagem irreal para um mercado volátil como o dos ativos digitais. A pirâmide promete gerir ativos virtuais em nome da vítima, seja através da transferência de criptomoedas ou da aquisição de criptomoedas (inexistentes) via dinheiro convencional. Nesses casos, também vale a publicidade e a captação agressiva de novos clientes na construção da pirâmide, que cedo ou tarde cairá em ruína.

Como a lei atual pune a pirâmide financeira?

Dentro do ordenamento brasileiro não há um tipo penal específico contra as pirâmides financeiras, mas sua prática é punida por lei, sim! As pirâmides são consideradas crimes contra a economia popular (art. 2 da Lei 1.521/51: obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos), com pena prevista de seis meses a dois anos de detenção, além de multa. Como podemos perceber, é um crime que, dentro do contexto jurídico, é considerado de menor potencial ofensivo, ainda que cause danos milionários.

Dependendo das particularidades do esquema, outros crimes também podem estar relacionados, tais como o estelionato, negociação de contratos de investimento coletivo sem a devida autorização da CVM, a lavagem de dinheiro, a evasão de divisas, entre outros.

O futuro

Atualmente, estão em discussão no parlamento brasileiro algumas iniciativas no sentido de coibir as pirâmides financeiras. Só de origem da CPI, surgiram pelo menos quatro projetos de Lei sobre o tema. Um deles tem como objetivo criar uma definição específica para a conduta, com pena de seis a dez anos de reclusão e multa, e com uma injustificável agravante em caso de pirâmides com ativos virtuais (ampliando a pena para oito a doze anos).

Os outros pretendem criar regulamentações para programas de milhagens aéreas, a publicidade de criptoativos, e o funcionamento de prestadores de serviços de ativos virtuais. E no contexto destas propostas, claro, o Estado objetiva ampliar a arrecadação tributária.

Sobre o tema, mais uma vez, cabe uma crítica à maneira como o país lida com seus problemas. Em razão da urgência e de sua relevância diante da opinião pública, leis são propostas e muitas vezes aprovadas diante de uma discussão rasa. Como consequência, ao invés de solução, temos novos problemas e muita insegurança jurídica. De qualquer forma, um cerco às pirâmides financeiras se demonstra necessário. Certamente, ainda neste ano, teremos promulgações de leis que aumentem o rigor penal contra esses esquemas. Cabe também ao Estado, de igual forma,  o papel fundamental de conscientização da população,  propensa e vulnerável a aderir a investimentos irregulares e de alto risco.

Referências:

Conjur: https://www.conjur.com.br/2023-out-10/fintech-crypto-relatorio-cpi-piramides-financeiras-principais-recomendacoes2/

Reportagem do Fantástico (Rede Globo): https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2023/10/01/exclusivo-golpe-de-piramides-com-criptomoedas-movimentou-quase-r-100-bilhoes-em-seis-anos.ghtml

Reportagem do Fantástico (Rede Globo): https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2023/10/02/golpe-das-criptomoedas-veja-como-funciona-uma-piramide-financeira.ghtml

LinkedIn Notícias: https://www.linkedin.com/news/story/v%C3%ADtimas-de-pir%C3%A2mides-t%C3%AAm-mais-risco-de-cair-no-mesmo-golpe-diz-pesquisa-5875140/

Governo Federal: https://www.gov.br/investidor/pt-br/investir/cuidados-ao-investir/evitando-problemas/principais-fraudes-e-esquemas-irregulares/piramides-financeiras-e-esquemas-ponzi

Portal do Bitcoin: https://portaldobitcoin.uol.com.br/brasileiros-que-recrutam-pessoas-para-piramides-financeiras-poderao-pegar-ate-oito-anos-de-prisao/

InfoMoney: https://www.infomoney.com.br/onde-investir/golpes-com-criptomoedas-causam-perda-de-r-40-bi-a-4-milhoes-de-brasileiros-em-5-anos-quem-ainda-cai/