Licitações e Direito Penal: o essencial que você precisa conhecer

Há três anos, no dia 1º de abril de 2021, foi promulgada a Lei nº 14.133, mais conhecida por Nova Lei de Licitações (ou pela sigla NLLC, Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos). Ela foi elaborada com a justificativa de aprimorar o sistema de contratação pública no Brasil. Entre as mudanças estão situações relevantes para a seara criminal.

Seja você um gestor público, um servidor ou algum empresário disposto a vender seus serviços ou produtos para o Estado, é importante conhecer essas alterações. Até porque, desde a última semana de dezembro de 2023, não é possível mais que municípios, estados e o Governo Federal optem pelo regime anterior (Lei nº 8.666/93, que foi revogada). O prazo de adequação à nova Lei foi estabelecido em dois anos, e até excedeu um pouco esse limite com sua prorrogação via Medida Provisória. Agora, é obrigatória a aplicação do novo regime de licitações e contratação – que também já recebeu alterações, a partir da Lei nº 14.770/23..

Por isso, explicamos para você as principais mudanças da nova lei em relação ao aspecto criminal.

Principais mudanças

Houve uma série de alterações significativas. A começar pela instituição preferencial dos meios eletrônicos para todos os procedimentos de contratação. A lei ainda segue permitindo atos presenciais, desde que devidamente justificados. Outra mudança relevante é a maior especificidade dos critérios de julgamento das propostas, seguindo essa ordem geral (já que cada modalidade de contratação tem seu critérios específicos) : menor preço; maior desconto; melhor técnica ou conteúdo artístico; técnica e preço; maior lance, em caso de leilão; e maior retorno econômico.

Em relação às modalidades, pregão, concorrência, concurso e leilão seguem valendo, mas com o acréscimo do diálogo competitivo, um modo de negociação mais flexível, em que as condições necessárias e específicas de projetos são discutidos com fornecedores diversos em uma fase prévia à aquisição. Essa é uma inovação que vem na esteira também da ampliação da concorrência, ao permitir a participação de empresas estrangeiras nos processos licitatórios, e na simplificação dos procedimentos para concessões e para as parcerias público-privadas.

Por último, outro aspecto geral importante que surgiu decorrente da NLLC é a tentativa de fortalecer a transparência, a partir da criação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que tem como objetivo principal centralizar as informações sobre licitações e contratos de todas as esferas do poder público brasileiro. O portal, vinculado ao Governo Federal, já está em pleno funcionamento e com acesso ao público em geral.

Da Lei penal

Como é habitual, as reformas legislativas sempre trazem algo relacionado ao direito penal. No caso da Nova Lei de Licitações, as alterações penais passaram a valer imediatamente a partir da promulgação do texto, ou seja, abrangem potenciais delitos desde 2021, ainda que a transição entre os dois regimes de contratação tenha se encerrado no final de 2023.

A primeira mudança mais significativa que a NLLC nos apresentou é a inclusão dos tipos penais relativos às contratações públicas ao Código Penal. O que isso muda na prática? Em primeiro lugar, anteriormente, os dispositivos penais estavam incluídos na Lei de Licitações e seguiam um rito processual próprio. Agora, o Código Penal foi acrescido do capítulo “Dos crimes em licitações e contratos administrativos” e passaram a seguir o rito ordinário (mais comum) para o processo e julgamento.

Outra modificação tem a ver com a responsabilização. Como crime comum, não há especificidade do autor. Ou seja, este não é um crime que pode ser cometido apenas por um grupo determinado, como agentes públicos, por exemplo. Qualquer pessoa poderá ser indiciada pelos delitos descritos no Capítulo II-B do Código Penal – e isso, claro, impacta todos os envolvidos nessa cadeia, do âmbito público e privado, com algumas exceções específicas.

E sobre quais crimes estamos falando? Antes, a Lei de Licitações continha dez condutas delituosas. A NLLC trouxe uma nova redação a todos esses crimes, mais adequada aos processos atuais, e acrescentou um novo delito, o crime de “Omissão grave de dado ou de informação por projetista”. A legislação também recebeu um endurecimento injustificável das penas, ação também habitual dos legisladores brasileiros, sem a devida observação de aspectos mais técnicos e menos populistas.

Abaixo, um breve resumo de cada delito e sua respectiva pena:

Contratação direta ilegal: Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei, com pena de quatro a oito anos de reclusão, e multa.

Frustração do caráter competitivo de licitação: Frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da outorga do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório, com pena de quatro a oito anos de reclusão, e multa.

Patrocínio de contratação indevida: Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração Pública, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário, com pena de seis meses a três anos de reclusão, e multa.

Modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo: Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do contratado, durante a execução dos contratos celebrados com a Administração Pública, sem autorização em lei, no edital da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura sem respeitar a ordem cronológica de sua exigibilidade, com pena de quatro a oito anos de reclusão, e multa.

Perturbação de processo licitatório: Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de processo licitatório, com pena de seis meses a três anos de detenção.

Violação de sigilo em licitação: Devassar o sigilo de proposta apresentada em processo licitatório ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo, com pena de dois a três anos de detenção, e multa.

Afastamento de licitante: Afastar ou tentar afastar licitante por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo, com pena de três anos a cinco anos de reclusão, multa e, ainda, a pena respectiva da violência em questão. Recebe a mesma pena aquele que se abstém ou desiste de licitar caso receba alguma vantagem para isso.

Fraude em licitação ou contrato: qualquer fraude em prejuízo ao poder público, à licitação ou ao contrato, com pena de quatro a oito anos de reclusão, e multa.

Contratação inidônea: Admitir à licitação empresa ou profissional declarado inidôneo (em linhas gerais, aquele que tenha cometido irregularidade anterior junto à Administração pública e que esteja proibido de contratar com o estado), com pena de três anos a seis anos de reclusão.

Impedimento indevido: Obstar, impedir ou dificultar injustamente a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, a suspensão ou o cancelamento de registro do inscrito, com pena de seis meses a dois anos de reclusão, e multa.

Omissão grave de dado ou de informação por projetista: Omitir, modificar ou entregar à Administração Pública levantamento cadastral ou condição de contorno (informações do projeto e preços, por exemplo) em relevante dissonância com a realidade, em frustração ao caráter competitivo da licitação ou em detrimento da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, em contratação para a elaboração de projeto básico, projeto executivo ou anteprojeto, em diálogo competitivo ou em procedimento de manifestação de interesse, com pena de seis meses a três  anos de reclusão, e multa.

Da gestão de riscos

Não menos importante, a NLLC leva ao ambiente público instrumentos importantes de governança, entre eles, a gestão de riscos e a adoção de matriz de riscos. A Lei define que “as contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo”. No contexto da nova lei, essa questão é pertinente apenas à administração pública, mas é óbvia a relevância disso para as empresas licitantes. Ao aplicar a gestão de riscos em seus processos internos, a iniciativa privada tem maior capacidade de tratar com o poder público em pé de igualdade e com menos riscos diante da legislação penal. Esse foi um grande acerto dos legisladores, ao menos em tese, objetivando mais transparência e eficiência a esses processos.

Referências:

Código Penal: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

Lei nº 14.133/21: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm

Instituto Rui Barbosa: https://irbcontas.org.br/artigos/crimes-na-nova-lei-de-licitacoes/

ConJur: https://www.conjur.com.br/2023-ago-21/cesar-peres-lei-licitacoes-aspectos-criminais/

Observatório da Nova Lei de Licitações: https://www.novaleilicitacao.com.br/

JusBrasil: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-nova-lei-de-licitacoes-avancos-e-mudancas-no-processo-de-contratacao-publica/1977554444