Lei de Falências, crimes falimentares e prevenção: um debate atual

Entre as principais notícias do mercado brasileiro no início de 2023, nos chama a atenção o processo de falência ou de recuperação judicial de grandes redes empresariais. O aumento no número de pedidos nos primeiros meses do ano também se destaca e revela um cenário que, a longo prazo, pode afetar sensivelmente a economia nacional, além, claro, de colocar milhares de empregos em jogo.

Na procura por soluções para viabilizar crises inevitáveis, uma das ações que os gestores buscam é o pedido de recuperação judicial. Quem já tem afinidade com o meio empresarial conhece o termo e suas implicações, mas vale a pena explicar: em poucas palavras, é um processo mediado pela Justiça para que uma empresa em situação iminente de falência consiga renegociar suas dívidas com credores e manter suas operações. Essa iniciativa é regulamentada pela chamada Lei de Falências do ano de 2005, que passou por alterações em 2020. 

Os casos que têm sido noticiados na imprensa são exemplos do que pode ocorrer em qualquer empresa, tanto por fatores externos, razões administrativas ou, até mesmo, em razão de ações fraudulentas. No contexto do Direito Penal aplicado ao ambiente corporativo, vamos entender o que diz a legislação, discutir sobre crimes falimentares e, claro, destacar soluções tanto para as empresas e executivos em situação similar, quanto aos credores que acabam prejudicados nesses momentos de crise. 

A Lei de Falências

Até o ano de 2005, organizações que entravam em crise financeira, rumando a uma possível falência, tinham como alternativa a concordata, dispositivo jurídico e legal que consistia no pedido da dilação (prorrogação) dos prazos de pagamentos ou, dependendo das circunstâncias, a remissão da dívida. O pedido seria avaliado por um Juiz antes de ser deferido.

Em 9 de fevereiro de 2005, a Lei 11.101 trouxe mudanças significativas. Qualquer empresa passou a poder entrar com um pedido de recuperação judicial (com algumas exceções como instituições públicas ou de economia mista e instituições financeiras). O deferimento desta solicitação continuou sob a responsabilidade da Justiça, mas o processo passou também a incluir os credores, dando-lhe poder de participação na tomada de decisão. E, ainda, ampliou as possibilidades de pagamentos dos débitos, o que em tese daria mais oportunidades de uma recuperação efetiva. Quinze anos depois da sua promulgação, uma nova lei (nº 14.112/2020) instituiu atualizações à antiga redação. 

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Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

De um modo geral, caso uma empresa necessite da recuperação judicial para evitar a falência, ela deve fazer esse pedido à Justiça, elencando o que motivou a petição, além de incluir demonstrativos financeiros que atestem a situação e a lista de credores. Caso o pedido seja deferido, a organização devedora terá um prazo de 60 dias para apresentar um plano de recuperação e, também, conta com um prazo de 180 dias de suspensão das cobranças de dívidas. Esse plano será avaliado por uma assembleia de credores. Caso os credores rejeitem a proposta, o juiz dará prosseguimento ao processo de falência. Uma das atualizações recentes possibilitou um avanço nessa questão, pois os credores podem propor um plano alternativo de recuperação se discordarem da proposta da empresa devedora ou se esta simplesmente não apresentar um. 

Pontuamos, porém, que embora seja uma alternativa à falência, ela não é garantia de que a empresa será de fato recuperada. Pelo contrário, inclusive. Estima-se que apenas 23% das empresas que entram em recuperação judicial conseguem retomar as atividades efetivamente, levando em conta uma pesquisa do Serasa Experian, que analisou um recorte de tempo de 2005, quando a Lei de Falências foi promulgada, até 2014. Em 2022, segundo o Serasa Experian, foram feitos 833 pedidos de recuperação judicial, uma queda de 6,5% em relação ao ano anterior. E diferentemente do que se imagina, a recuperação judicial não é um artifício usado exclusivamente por gigantes em crise. A maior parte dos pedidos (63%) é feita por micro e pequenas empresas, com faturamento de até R$ 4,8 milhões. 

Consequências penais

Além de trazer as diretrizes tanto para os pedidos de falência quanto para os de recuperação, a Lei de Falências também apresenta uma parte muito importante: as consequências penais. A legislação tipifica alguns crimes falimentares. Mas antes de mais nada é importante ressaltar que o fato de uma empresa fazer um pedido de recuperação judicial ou de falência, não implica obrigatoriamente no cometimento de um delito.

Dito isso, o principal crime falimentar contido na Lei 11.101/2005 (art. 168) é a prática, antes ou depois de decretada a falência, de ato fraudulento que resulte ou possa resultar em prejuízo aos credores. A consequência penal prevista é de reclusão de três a seis anos, e multa. 

Também são considerados crimes falimentares diversos atos que dizem respeito a informações sensíveis da empresa. Por exemplo, “violar, explorar ou divulgar sigilo empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços, contribuindo para a condução do devedor a estado de inviabilidade econômica ou financeira” é crime previsto no artigo 169 daquele diploma legal. Divulgar informações falsas com o intuito de obter vantagem ou prejudicar a empresa em questão, ou de maneira oficial no curso do processo, também são ilícitos. Todos esses crimes têm pena prevista de reclusão de dois a quatro anos, além de multa.

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Foto: Reprodução/Canva

Sob a mesma pena, também vale destacar os delitos referentes aos bens da corporação devedora. De acordo com o que dispõe o artigo 173, é ilícito “Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida”, inclusive através de laranjas, assim como adquirir, receber ou usar ilegalmente os bens – ou ter influência para que outra pessoa o faça. 

Prevenção é a chave

Como sempre, é importante ressaltar que o Direito Penal tem, além da prerrogativa de regular o poder punitivo do Estado, o papel de defender direitos. Assim, um criminalista pode atuar tanto na defesa de empresas indiciadas por crimes falimentares quanto no auxílio a organizações lesadas criminalmente. Para além das questões judicializadas, cabe ao criminalista assessorar as partes na busca por soluções com segurança jurídica. Porém, como em quase todas as operações empresariais, o principal ponto a ser levado em consideração é a prevenção. É se antecipar aos problemas. E qual é a solução preventiva do ponto de vista jurídico? 

De forma paralela às auditorias e ao compliance, é preciso investir também na gestão de riscos criminais e numa assessoria jurídica consultiva. Como pudemos ver em recentes e midiáticos casos de empresas que entraram em falência ou em recuperação, só a auditoria não foi capaz de proteger as finanças e a reputação de corporações que tinham ampla credibilidade no mercado nacional, mesmo sem que houvesse qualquer delito falimentar durante esses processos. O fato é que o olhar do Direito Penal sobre as atividades empresariais permite identificar práticas lesivas e sugerir ações afirmativas de conscientização sobre os riscos penais existentes. 

É claro que, para que essas ações tenham êxito, a cúpula da administração empresarial precisa assumir impreterivelmente suas responsabilidades e levar a sério o que os setores de controle, internos e externos, recomendam para uma administração sustentável e blindada contra a responsabilização penal. 

Referências:

BATISTA, Nilo. Lições de direito penal falimentar. Rio de Janeiro: Revan, 2006. 

BRANT, Danielle. Só uma em cada quatro empresas sobrevive após recuperação judicial. Folha de SP. Disponível em: <https://m.folha.uol.com.br/mercado/2016/10/1820669-so-uma-em-cada-quatro-empresas-sobrevive-apos-recuperacao-judicial.shtml

BRASIL. LEI Nº 11.101/2005. Disponível em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>

DE LIMA, Liliane. Pedidos de recuperação judicial caem 6,5% em 2022, mostra Serasa Experian. Seu Dinheiro. 2023. Disponível em: <https://www.seudinheiro.com/2023/empresas/pedidos-de-recuperacao-judicial-caem-em-2022-mostra-serasa-experian-lils/>

MATOS, Thais. Risco de quebra, colapso no setor e prejuízos à economia: o que diz a Americanas para pedir recuperação judicial. G1. 2023. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/01/19/risco-de-quebra-colapso-no-setor-e-prejuizos-a-economia-o-que-diz-a-americanas-para-pedir-recuperacao-judicial.ghtml>

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas.volume 2. 8a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. 

OIKAWA, Renato Din e ZABAGLIA, Rafael. Entenda como funciona a Lei de Recuperação de Empresas e Falências. JOTA. 2021. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/nova-lei-de-recuperacao-de-empresas-e-falencias-30072021>