As bandeiras vermelhas da lavagem de dinheiro

Entre os crimes econômicos existentes, a lavagem de dinheiro é um dos considerados mais graves pois, além de prejudicar o sistema financeiro como um todo, ainda é o responsável por otimizar o financiamento de atividades criminosas das mais diversas, do tráfico de drogas ao terrorismo internacional. 

Instituído no Brasil em 1998 pela Lei 9.613, o crime de lavagem de dinheiro consiste na tentativa de reinserir na economia o dinheiro obtido de forma ilegal através de um crime anterior, como o próprio tráfico de entorpecentes, a corrupção, ou alguma contravenção penal que gere valores, obstruindo a rastreabilidade desse dinheiro e dando a legalidade necessária para o montante. Assim, em tese, o autor pode utilizar e movimentar esse dinheiro de forma livre, mantendo a engrenagem financeira de seus interesses contrários à lei. 

É um delito que gera uma movimentação financeira gigantesca todos os anos. O branqueamento de capitais representa, anualmente, em uma estimativa abrangente da United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), até 5% do PIB mundial. Além da movimentação por meio de instituições bancárias, a lavagem acontece por meio da compra de itens de luxo, como jóias, veículos e obras de arte, ou bens de elevado valor, como imóveis, por exemplo. Empresas de fachada de determinados setores, especialmente aqueles que permitem grande movimentação de dinheiro em espécie, também costumam ser escolhidos por quem objetiva lavar o dinheiro ilícito. 

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Imagem: Reproduçao/Canva

Para o combate à lavagem de dinheiro existem diversos mecanismos e algumas condutas são tratadas como suspeitas, por serem incomuns ou pouco usuais. Popularmente são chamadas de red flags, ou bandeiras vermelhas. São sinais de alerta que chamam a atenção de instituições e autoridades. 

Red flags 

Logo que a Lei de Lavagem de Dinheiro foi promulgada, houve uma série de regulamentações para que a legislação cumprisse adequadamente seu papel. No final daquele ano de 1998, o Banco Central (BACEN) publicou a Circular nº 2.826, com um rol de situações que podem indicar indícios dos crimes previstos na Lei 9.613. Essa listagem se concentra em três situações distintas: operações com dinheiro em espécie, situações de manutenção de conta-corrente e situações relacionadas com atividades internacionais. Mais recentemente o BACEN trouxe novos regramentos direcionados às instituições financeiras, tais como a Circular 3.978/2020 e a Resolução 119/2021.

A prática dessas condutas são apenas indícios do intuito de ocultar a origem ilícita dos recursos. Não quer dizer obrigatoriamente que, ao fazê-las, está se cometendo o crime de lavagem de dinheiro. Afinal, como é evidente, o delito depende diretamente de um crime antecedente para configurar como tal. Entendido isso, listamos a seguir cinco práticas que costumam abrir os olhos dos órgãos de fiscalização.

Paraísos fiscais

Transações financeiras com empresas sediadas em paraísos fiscais correspondem a uma das práticas mais conhecidas por quem deseja ocultar a origem ilícita de recursos. O autor utiliza companhias offshore, com sede em um país considerado paraíso fiscal. Assim, aproveita-se da baixa regulação e dos benefícios fiscais para movimentar o dinheiro ilegal.

Porém, há uma visão incorreta de que qualquer offshore aberta em países com regime fiscal e tributário flexíveis seja um indício de atividade criminosa. A lei brasileira permite a abertura de empreendimentos offshore, inclusive em países listados como paraísos fiscais, desde que haja declaração formal à Receita Federal e ao Banco Central, se o patrimônio for superior a R$ 100 mil. 

Dinheiro em espécie

O uso de grande montante em espécie para o pagamento de itens também é uma prática considerada suspeita. Como não há a entrada desse montante no sistema financeiro tradicional, pode não haver a devida comunicação de atividade suspeita aos órgãos competentes. A compra de um imóvel ou de um veículo de luxo com dinheiro em espécie é um exemplo disso. 

Até 2019, havia certa facilidade em realizar esse tipo de operação, registrando legalmente transações como essa nos cartórios, que até então não eram obrigadas a comunicar atividades suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Desde então, os cartórios passaram a ser responsáveis por 70% das comunicações de operações suspeitas. 

Mas, então, não é possível utilizar grande quantia de dinheiro em espécie? Há ilegalidade nisso? Não há, desde que este dinheiro seja devidamente declarado à Receita Federal. Por exemplo, se você é autônomo e vende itens de luxo importados, não é incomum que você receba pelos seus produtos em espécie. Porém, é de sua responsabilidade fazer a correta declaração desses valores e de cumprir as obrigações previstas na Lei de Lavagem de Dinheiro para esse setor.

Laranjas 

Bastante comum para ocultar valores e bens ilícitos, o uso de “laranjas” é a etapa de “camuflagem” na lavagem de dinheiro. A compra de imóveis novamente pode ser usada como exemplo. O autor utiliza o dinheiro obtido ilegalmente e compra um imóvel em nome de um terceiro. Neste caso, não há alternativa legal. Com raras exceções, como a compra de um imóvel pelo pai ao filho, não é permitido a aquisição de bens em nomes de terceiros. Realizar transações financeiras em contas de terceiros também é um sólido indício de tentativa de ocultar a origem ilícita do dinheiro.

Empresas de fachada

O mesmo vale para empresas de fachada. Muitos criminosos utilizam negócios aparentemente legais para movimentar o dinheiro ilícito. Em geral, são utilizadas empresas com grande movimentação de dinheiro em espécie ou que permitam a emissão de notas frias que contribuam com a dissimulação dos valores movimentados. Há ocasiões em que as empresas nem sequer possuem atividade real, sendo verdadeiros “fantasmas” para a realização de transações financeiras.

Pessoas politicamente expostas

“Pessoa Politicamente Exposta” (PEP) é todo aquele cidadão que desempenha cargo ou função pública relevante. Os parentes de segundo grau deste indivíduo também são classificados como PEP. 

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Imagem: Reproduçao/Canva

Transações com essas pessoas podem ser consideradas suspeitas, mas isso não impede que haja uma relação comercial com tais indivíduos. Mais uma vez, cabe a um dos lados cumprir suas obrigações perante à Lei, especialmente aquelas que dizem respeito ao cadastro de seus clientes e fornecedores. E, claro, sempre mediante uma operação suspeita, que haja a devida comunicação aos órgãos competentes. 

Boas práticas

Mas, afinal, qual é o papel do empresário no combate à lavagem de dinheiro? Existe uma série de boas práticas para prevenção ao branqueamento de capitais, como o cadastro de clientes, um protocolo de comunicações aos órgãos fiscalizadores, a capacitação dos colaboradores para identificar e atuar em situações suspeitas e, até mesmo, o uso de softwares e de automações que inibam a prática em seus negócios. 

Todas essas iniciativas são importantes, mas a atenção deve ser voltada especialmente para as obrigações que a Lei prevê para determinados setores, que será tema do nosso próximo artigo.

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Referências:

BACEN. Carta-circular nº2.826. 1998. Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/c_circ/1998/pdf/c_circ_2826_v1_o.pdf>

BRAGA RAMOS, Samuel Ebel. A lavagem de dinheiro por meio de paraísos fiscais como crime transnacional: a cooperação internacional na recuperação de ativos. Âmbito Jurídico. 2016. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/a-lavagem-de-dinheiro-por-meio-de-paraisos-fiscais-como-crime-transnacional-a-cooperacao-internacional-na-recuperacao-de-ativos/>

BRASIL. Lei nº 9.613/1998. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm>

COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). 100 casos de lavagem de dinheiro. Disponível em: <https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/casos-casos/arquivos/100-casos-de-lavagem-de-dinheiro.pdf>  

CANUTO, André Luiz. Acusação de lavagem de dinheiro no Brasil, a dinâmica prática dos crimes financeiros. Migalhas. 2022. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/370784/acusacao-de-lavagem-de-dinheiro-no-brasil-e-os-crimes-financeiros>

EUROPOL. Money laundering. Disponível em: <https://www.europol.europa.eu/crime-areas-and-statistics/crime-areas/economic-crime/money-laundering

HAIDAR, Rodrigo. Quase 70% das operações suspeitas comunicadas ao Coaf vêm dos cartórios. ConJur. 2022. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2022-abr-10/70-operacoes-comunicadas-coaf-vem-cartorios>

RODRIGUES, Fernando. O que é e quando é legal possuir uma empresa offshore. UOL. 2016. Disponível em: <https://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2016/04/03/o-que-e-e-quando-e-legal-possuir-uma-empresa-offshore/