Feminicídio: as características do agravante de homicídio contra mulheres

Em 9 de março de 2015, foi sancionada a Lei nº 13.104, que definiu o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio e também o incluiu no rol dos crimes hediondos, além da previsão de aumento de pena em razão de algumas determinadas circunstâncias. 

Passados sete anos da promulgação desta lei, muitas pessoas ainda não entendem o que significa o feminicídio e o porquê dessa distinção. Sem qualquer intenção de esgotamento do tema, vamos abordar as principais características desse agravante, as razões para que ele exista e qual é o cenário dos casos de feminicídio no país. 

O que é o feminicídio?

Nos termos da Lei, o feminicídio é um homicídio doloso (art. 121) praticado contra mulheres por razões da condição de sexo feminino. A legislação considera que essas razões existem quando o crime envolve “violência doméstica ou familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. 

Perceba que o texto se restringe à condição sexual da vítima, e não a condição de gênero. Inclusive, já há um movimento para que esta redação seja alterada, bem como o feminicídio seja classificado como um crime autônomo. Mas isso é discussão para um outro momento. Por agora, nos concentremos no conceito atual.

O feminicídio se caracteriza a partir de um homicídio intencional, em que o autor comete o crime contra uma vítima mulher. É necessário que exista uma relação de intimidade entre autor e vítima num contexto de violência doméstica (ou seja, o criminoso pode ser o companheiro, o ex-companheiro, o pai, o irmão, etc) ou de misoginia (quando o autor, mesmo que não conheça a vítima, cometa o ato por razões discriminatórias). Assim sendo, um latrocínio, por exemplo, cometido contra uma mulher, não caracteriza um feminicídio. 

Com o crime configurado como feminicídio, ele se torna um homicídio qualificado. Assim sendo, a pena aplicada ao autor pode ser de 12 a 30 anos de reclusão. É importante também lembrar que a pena em um caso de feminicídio pode ser aumentada de um terço até a metade se o crime for praticado contra uma mulher gestante ou no período de três meses após o parto; contra mulheres menores de 14 anos, maiores de 60 anos ou com deficiência; ou na presença de descendente ou de ascendente da vítima. Isto é, se o crime ocorreu na frente dos pais, avós ou bisavós da vítima, ou dos filhos, netos e bisnetos há a incidência da agravante. 

Por que é importante essa distinção?

Em primeiro lugar, a distinção do feminicídio é importante pois este crime possui, de forma flagrante, motivações bem diferentes de um homicídio comum. Como explicado anteriormente, há na intenção do autor um desejo em ceifar a vida da vítima em razão dela ser mulher, o que não acontece em um roubo seguido de morte, em que o atentado à vida acontece apenas como consequência do ato de roubo. Exemplificando, quando um homem reage a um término de relacionamento com o assassinato da companheira, temos claramente um crime motivado por um sentimento de propriedade sobre a vítima, o que de um modo geral se caracteriza como feminicídio. 

Em termos de políticas públicas, a distinção do feminicídio permite uma análise estatística mais apurada, visto que há um entendimento de que a prevenção e combate para estes dois tipos de crimes exige ações diferentes. 

Foto: Reprodução/Canva.

Além disso, a representatividade dos assassinatos de mulheres em razão de um contexto de violência doméstica e familiar indica que este crime merece especial atenção. Como explicaremos a seguir, pelo menos uma a cada três mortes violentas de mulheres no Brasil tem como fator decisivo a relação de intimidade entre autor e vítima, o que indica uma necessidade de iniciativas específicas para este crime. 

O índice nacional, inclusive, está na média mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 35% dos homicídios de mulheres são cometidos por seus companheiros. Em contrapartida, apenas 5% dos homicídios contra homens são cometidos pelas parceiras. 

Cenário

O Brasil possui um registro alarmante de feminicídios, ainda que tenha havido um recuo no número de casos no último ano. O país, que já chegou a frequentar um “top-5 mundial” em casos de feminicídio, atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia, registrou 1.319 casos em 2021. A redução em relação a 2020 foi de apenas 2,4%, de acordo com dados do Fórum de Segurança Pública. 

Este número pode apresentar uma ligeira defasagem, pois a análise é feita com base na tipificação criminal registrada no boletim de ocorrência pela autoridade policial. Ou seja, eventualmente, um caso de homicídio contra uma mulher pode ser definido como feminicídio em julgamento posterior. 

Em 2020, o Brasil registrou o assassinato de 3.913 mulheres, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021. Deste total, foram 1.354 feminicídios. Ou seja, 34% dos homicídios contra mulheres são motivados por sua condição de gênero. Além disso, pelo menos 81% dos crimes classificados como feminicídio são cometidos pelos companheiros ou ex-companheiros dessas vítimas. O anuário deste ano elencou 1.341 feminicídios.

Alerta 

A Lei do Feminicídio trouxe avanços na legislação penal, mas ela por si só não consegue fazer com que este cenário negativo de centenas de mortes por ano sofra uma retração significativa. São necessárias ações e políticas públicas de cunho educacional e preventivo, além da compreensão de que o feminicídio está bastante ligado à questão da violência doméstica.

Foto: Reprodução/Canva.

Muitos feminicídios são precedidos por situações de violência doméstica que, inclusive, até mesmo chegam ao conhecimento das autoridades, mas que por uma série de razões não se torna possível a real proteção dessa vítima. Há uma dificuldade latente em quebrar essa cadeia de abusos e o que temos em determinados casos é uma tragédia anunciada. 

Ainda assim, a denúncia de casos de violência contra a mulher é um dos principais recursos para o enfrentamento deste problema e não pode ser ignorado. Atualmente, a mulher vítima de violência pode fazer uma denúncia ou ser acolhida por meio de alguns canais: 

– Central de Atendimento à Mulher pelo número 180. Esta central é nacional, sendo um serviço de utilidade pública essencial para o enfrentamento à violência contra a mulher. Além de receber denúncias de violações contra as mulheres, a central encaminha o conteúdo dos relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos;
– Centrais estaduais de denúncia (no Paraná e em São Paulo, por exemplo, existe o Disque-Denúncia, pelo número 181);
– Delegacias de Polícia Civil;
– Delegacias da Mulher;
– Casas da Mulher Brasileira;
– Centros de Referência de Assistência Social (CREAS e CRAS);
– Hospitais públicos e serviços de saúde. 

Por último, e não menos importante, o combate ao feminicídio e à violência contra a mulher não se restringe apenas à ação das vítimas. Se você tiver conhecimento de situações de abuso, denuncie imediatamente, bem como procure assistência jurídica.

Referências

Agência Patrícia Galvão. Dossiê Feminicídio. Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/o-que-e-feminicidio/#o-que-e-feminicidio 

Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 2021. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/07/6-a-violencia-contra-meninas-e-mulheres-no-ano-pandemico.pdf 

Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Violência contra mulheres em 2021. 2022. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/03/violencia-contra-mulher-2021-v5.pdf 

Instituto Brasileiro de Direito de Família. 3 benefícios e 3 desafios da Lei do Feminicídio. 2021. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/8233/#:~:text=Em%20vigor%20h%C3%A1%20seis%20anos,discrimina%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20condi%C3%A7%C3%A3o%20de%20mulher

Nações Unidas. Mais de 4 mil mulheres foram vítimas de feminicídio na América Latina e no Caribe em 2020. 2021. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/160367-mais-de-4-mil-mulheres-foram-vitimas-de-feminicidio-na-america-latina-e-no-caribe-em-2020 

Não se cale – Governo do Estado do Mato Grosso do Sul. Feminicídio. Disponível em: https://www.naosecale.ms.gov.br/feminicidio/ 

Tribunal de Justiça do Paraná. Quero denunciar. Disponível em: https://www.tjpr.jus.br/web/cevid/quero-denunciar