Descaminho, contrabando e outros riscos penais nas operações de importação e exportação

O comércio exterior é repleto de oportunidades. É um mercado que movimenta incontáveis cifras e que tem papel determinante na economia, tanto globalmente quanto na realidade local de cada país. Para ilustrar, só no mês de setembro de 2023 o Brasil contou com uma movimentação de mais de US$ 22 bilhões em exportações e quase US$15 bilhões em importações. De janeiro a setembro, o Brasil registrou um superávit de US$ 69 bilhões, um crescimento de 51,6%. Em contrapartida, a corrente comercial, que é a soma dos valores de importação e exportação, sofreu leve queda, talvez motivada pelas recentes mudanças de regra nas importações para pessoa física.

De qualquer forma, é evidente a importância desse mercado. No entanto, essa janela de oportunidades também abre espaço para práticas ilícitas, que podem minar os benefícios do comércio internacional. Neste artigo, vamos tratar sobre os principais riscos penais existentes nas operações de comércio exterior, suas consequências e, claro, como se prevenir.

Descaminho e contrabando, uma diferença sutil

Dois dos delitos mais conhecidos neste ambiente de negócios são o contrabando e o descaminho. Ambos são crimes aduaneiros e, embora muitos pensem que consistem no mesmo crime, isso não está correto. Até 2014, as duas condutas faziam parte do mesmo  tipo penal. Contudo, a partir da Lei 13.008/14, o contrabando e o descaminho se tornaram condutas autônomas, com penas diferentes.

O descaminho (art. 334 do Código Penal) consiste em “iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”. Em outras palavras, é não recolher os tributos de um produto na importação ou exportação. Um exemplo clássico de descaminho acontece na aquisição de aparelhos eletroeletrônicos no Paraguai, por exemplo, sem o pagamento devido de tributos. No âmbito corporativo, a compra de produtos importados através de fraude por meio de notas subfaturadas também pode ser enquadrado como descaminho. O descaminho tem pena de um a quatro anos de reclusão;

Já o contrabando (art. 334-A do Código Penal) é o ato de importar ou exportar mercadoria proibida. Cigarros falsificados ou bebidas alcoólicas vetadas no país são exemplos da prática de contrabando. Aqui, a pena prevista é de dois a cinco anos de reclusão. De qualquer forma, popularmente, ambas as ações costumam ser mencionadas como contrabando.

Grandes casos

No Brasil, o setor mais prejudicado pelo contrabando e descaminho é o de vestuário. Segundo um levantamento do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), dos R$ 410 bilhões estimados de perda econômica em razão do contrabando no Brasil, a indústria da moda sofre com um prejuízo de R$ 84 bilhões. Ou seja, 20% de tudo o que é contrabandeado no país tem a ver com o segmento de vestuário.

Um dos grandes casos brasileiros ocorreu justamente nessa área, envolvendo a Daslu, marca de artigos de luxo que em 2005 foi acusada de operar um esquema de subfaturamento de notas e interposição fraudulenta. De acordo com as investigações, o intuito era evitar o pagamento do IPI. Foram mais de R$ 330 milhões em impostos sonegados. O escândalo minou o futuro da marca, além de ter gerado pesadas consequências penais, com condenações que, em primeira instância, chegaram a 94 anos de prisão.

Outro caso bastante famoso é o da marca Tânia Bulhões. A empresa não é de vestuário, mas assim como a Daslu é focada no comércio de luxo, de cosméticos a itens de decoração. A empresária de mesmo nome foi condenada pelos crimes de falsidade ideológica, descaminho, formação de quadrilha e crimes contra o sistema financeiro nacional. A condenação foi convertida a penas restritivas de direitos, além de indenização. Neste caso, a marca conseguiu se manter e encampa no momento uma milionária expansão.

Riscos penais associados

Além do descaminho e do contrabando, as operações de comércio exterior estão sujeitas a uma série de outros riscos penais. Como observado no parágrafo anterior, os crimes aduaneiros costumam estar associados de alguma forma a outros delitos, como associação criminosa, crimes contra o sistema financeiro, crimes tributários, fraude documental, entre outros.

A lavagem de dinheiro e a evasão de divisas também são práticas comuns nesse segmento. A complexidade das operações de comércio exterior somada a particularidades, como a questão cambial, fazem da importação e exportação um terreno de interesse daqueles que pretendem lavar ativos ou enviar recursos para fora do país de maneira ilegal. Em contrapartida, existem no comércio exterior sólidos órgãos de controle, o que exige uma complexa e bem estruturada operação de burla a este sistema.

Todos esses crimes citados até aqui representam uma ameaça significativa para a economia e a segurança de um país – até por também contarem com alguma associação com o crime organizado. Na outra ponta, esses delitos podem causar duras consequências a quem for acusado como autor, gerando condenações criminais e cíveis, perda das mercadorias em questão, prejuízo financeiro, revogação de licenças de operação, prejuízos reputacionais, entre outros.

Nossa recomendação é que toda empresa que pretende realizar operações de comércio exterior implemente medidas e diretrizes para, em primeiro lugar, conhecer a fundo os riscos penais envolvidos. É necessário antecipar-se aos problemas inerentes desta área. E, em seguida, investir em especialistas, em tecnologia e em procedimentos que garantam a conformidade com legislações, normas, regulamentações e especificidades dos diversos setores econômicos.