A devoção do advogado criminalista em meio às mazelas da vida

POR DANIEL LAUFER

Descer ao último degrau da sociedade e abraçar os vistos como miseráveis. Dedicar a eles um julgamento justo, pleno e com ampla defesa. Paridade de armas, ou em português claro, igualdade de condições no pleno exercício democrático da Justiça. Absolutamente ninguém nesse mundo está imune a erros graves. A natureza humana é falha, enganosa e ludibriosa. Nas mazelas estreitas da vida, muitos se perdem. Nos anseios perigosos da alma humana muitos sucumbem a desejos, emoções e impulsos. Impuros jamais, imperfeitos eternamente.

O sujeito homem, o ser humano, tão evoluído e culto ainda sucumbe à própria natureza. Não há o que se discutir, apenas aprender. Se a vida é socrática, e dela nada ou pouco sabemos, nossa natureza é exata; erraremos muito nessa vida. Aliás, acredito que a vida seja um jogo não de quem acerta mais, mas sim de quem erra menos. E quando o erro é irremediável aos olhos da sociedade? Quando um cidadão visto até então como exemplar traça o mapa de sua própria desgraça dominado por impulsos e emoções dominantes? Quem lhe estenderá a mão com a condição de não concordar com seus crimes, mas com a serenidade de saber que a ele cabe o direito de se arrepender e pagar por seu erro na justa medida da justiça. Ser punido e corrigido, mas respeitando o contexto em que os fatos ocorreram. Quem além do advogado criminalista estende a mão ao infortúnio de uma vida arruinada, de uma reputação destruída, de uma vida arrasada? Vítimas da própria existência, dos próprios atos? Ingratos! Definições não faltam aos que caem em desgraça ao cometer um crime.

Ao criminalista, julgo eu, o amparo ao desafortunado que pagará com sua moral, consciência e existência nessa sociedade, é o ato de reforçar que devemos odiar sim o pecado, mas amar o pecador. Não se trata tão somente de trabalho, honorários, profissão. Enganam-se aqueles que assim enxergam esse militar nas trincheiras de uma banca de defesa. É preciso muito mais que isso para seguir e sobreviver em tão árdua missão.

O quão árduo é o trabalho de calçar os sapatos dos acusados, refazer seus caminhos e decisões, entender todos os detalhes que levaram tantas vidas a tragédia de uma vez só. Não podemos nos ajoelhar ao Estigma de Pilatos, aceitar a fúria popular e o lavar de mãos pela comoção de uma tragédia. Antes de tudo, precisamos resguardar o direito da ampla defesa para que a Justiça se faça plena, sóbria, lúdica e justa.  

Defender não é justificar, defender não é buscar a impunidade, defender não é ludibriar. Pelo contrário, é buscar na Lei, na Constituição da República, a proteção aos direitos, dar a cada um o que é seu por direito e justiça. É assegurar o contraditório para que os fatos se esclareçam como um todo e não tão somente por um lado. Do contrário estaríamos regressando ao tempo do justiçamento, da barbárie e da arbitrariedade.

Defender aquilo que a sociedade por vezes julga indefensável é garantir a todos o direito à defesa. É a seguridade do amanhã para as próximas gerações. Apenas em regimes totalitários e autoritários o direito à defesa é retirado do cidadão. E a retirada dessa garantia, da ampla defesa, jamais assegurou uma sociedade justa e sem crimes, pelo contrário! A história nos mostra que quando o autoritarismo e o totalitarismo imperaram, a crueldade, a injustiça e a falta de liberdade predominaram por décadas.

A batalha diária dos criminalistas é de guardar, proteger e garantir a Justiça plena e alinhada com os princípios democráticos do Estado de Direito. Combatemos a injustiça e também a impunidade. Fosse diferente, o mesmo criminalista que defende, não caminharia também pelas trincheiras da acusação. Não seria justo, adequado, equilibrado, se essa figura não protagonizasse verdadeiras batalhas nos tribunais para cristalizar à luz dos fatos às provas que auxiliam o juiz togado a entender como, quando e onde tudo aconteceu.

De outro canto, acusar também é parte da calejada vida do advogado criminalista. Amparar quem foi vítima de um crime, ou a família da vítima, é ato tão nobre quanto defender. Não se trata de preferência, mas sim de missão, de compromisso com o exercício pleno da advocacia. Da mesma forma que o defensor veste os sapatos do acusado e refaz seu caminho em desgraça, ao acusar cabe ao criminalista compreender o contexto da vítima e refazer seus passos, sua história, sua memória e se colocar no lugar dela pela produção de prova.

O criminalista investiga para acusar e para defender. Se debruça em laudas e laudas buscando a solução para o que parece insolúvel.  Não cabe a ele julgar, mas sim sopesar a realidade e buscar assim a tão falada Justiça. Vivendo a dor das famílias, dos amigos, dos acusados e das vítimas, o advogado, a advogada criminal, torna-se uma figura importante na vida daqueles que o desamparo, a tragédia ou o infortúnio, bateu a porta. Resiliente e racional, em nada coloca a emoção na hora de agir, mas não é menos humano por isso. De tudo um pouco já viu, mas não perde a ternura e a empatia pelos desatinos do homem. É figura rotulada muitas vezes, mas aqueles que nele buscam socorro são recebidos como uma página em branco. Não há julgamentos, não há juízo de valores. São seres humanos que escolheram dedicar suas vidas a caminhar por um lado árduo da vida, acolhendo e amparando aqueles que neles enxergam uma esperança.