A denúncia como ferramenta para encerrar o ciclo de violência contra a mulher

Há 17 anos, o Brasil assistiu a um importante capítulo no combate à violência de gênero. No dia 7 de agosto de 2006 foi promulgada a Lei nº 11.340, que ficou mais conhecida como Lei Maria da Penha. O dispositivo criou vários mecanismos com o intuito de coibir a violência contra a mulher.

O texto trouxe inovações, com a alteração do Código Penal e do Código de Processo Penal, a possibilidade de decretação de prisão preventiva nos casos de violência contra a mulher, a proibição de penas meramente pecuniárias, a criação de juizados específicos, diretrizes para a ação da autoridade policial, entre outras questões que mudaram a forma como a sociedade brasileira enxergava a violência doméstica.

De lá para cá, houve um fortalecimento da rede de apoio e, também, das formas de denúncia. Esta ainda é uma das principais ferramentas de combate a este problema. Por outro lado, embora seja uma legislação considerada referência global, existem correntes que questionam a eficácia da Lei Maria da Penha, em razão dos números elevados de casos de violência e mesmo de feminicídios (conceito previsto em Lei desde 2015).

De fato, este é um problema que segue atual mesmo 17 anos após a publicação da lei. E, infelizmente, não há uma solução simples para isso. Até porque existem muitos outros motivos que tornam a violência de gênero recorrente. Como sempre é importante afirmar, não basta apenas uma lei, mas sim uma série de políticas e ações afirmativas para que esta legislação seja aplicada e que uma mudança comportamental aconteça, para muito além do cumprimento de normas legais.

Agosto Lilás

Justamente em razão do aniversário da Lei Maria da Penha, foi instituído no Brasil em 2022 o Agosto Lilás, um mês para reforçar a conscientização sobre o tema. A campanha já existia de maneira informal, mas se tornou oficial a partir da Lei nº 14.448. No ano passado, inclusive, discutimos o assunto em nossos canais sob o aspecto do feminicídio, o desfecho extremo do ciclo de violência pelo qual muitas mulheres passam. Naquele momento, tratamos sobre o conceito e alertamos sobre o panorama de violência contra a mulher.

Assista agora: LEI DO FEMINICÍDIO: por que ela é importante?

Hoje, aproveitamos o ensejo para falar da denúncia, o primeiro e talvez mais importante passo para dar início ao encerramento do ciclo de violência. Sabemos que não é uma iniciativa fácil para a vítima. E, por isso mesmo, elencamos algumas orientações sobre o que fazer e a quem recorrer em uma situação de violência doméstica e familiar.

O que fazer?

Em primeiro lugar, é preciso garantir a própria integridade física. Na medida do possível, proteja-se. Em seguida, e também de forma primordial, busque auxílio médico. As agressões, em muitos casos, causam graves lesões que precisam de cuidados de saúde. E, ainda, as unidades hospitalares, em sua grande maioria, possuem protocolos específicos para agir neste tipo de situação.

Depois, procure assistência jurídica. Não é obrigatória a presença de um advogado para realizar a denúncia, mas é recomendável. Um advogado está preparado para as burocracias e trâmites legais dos quais muitas vezes a vítima é obrigada a fazer. O apoio de um profissional permite à vítima sentir-se mais à vontade para denunciar as agressões. Também ficará a cargo do advogado acompanhar o pedido de medida protetiva em favor da vítima, seja para fazer o devido acolhimento ou para evitar a aproximação do agressor. Importante pontuar aqui que o acesso à orientação jurídica é também um direito determinado pela Lei Maria da Penha, função de responsabilidade conjunta entre Ministério Público e Defensoria Pública.

Em meio a isso, faça o possível para coletar provas e vestígios das agressões. Por isso a orientação jurídica se faz tão imprescindível neste momento, pois o advogado poderá indicar o que é relevante, como coletar/armazenar e o que fazer com tudo isso. O momento após a agressão é de difícil assimilação por parte da vítima, por isso, é normal que não haja a imediata reação. No entanto, é importante que a denúncia seja formalizada o quanto antes, pois a cada hora que se passa, informações e indícios importantes para comprovar as agressões podem se perder.

Depois de registrado o boletim de ocorrência, a autoridade policial tem um prazo de até 48 horas para enviar o inquérito a um juiz, que dará prosseguimento à denúncia e será o responsável por julgar a procedência do pedido de medida protetiva.

Normalmente, quando se pensa na questão da denúncia, imediatamente vem à tona a ideia de que será necessário ir primeiro em uma delegacia ou acionar a Polícia Militar. Mas existem outras entidades que estão preparadas para atender e acolher vítimas de violência doméstica e familiar, inclusive delegacias específicas para atender casos de violência de gênero.

Além disso, em algumas cidades, como Curitiba e São Paulo, temos a Casa da Mulher Brasileira. Em muitas outras, existem centros especializados de atendimento à mulher. E na maior parte dos municípios há disponível os CRAS (Centros de Referência de Assistência em Saúde) e CREAS (Centros de Referência Especializados de Assistência Social).

Existem também os centros de atendimento por telefone, caso você não possa ou não se sinta segura a comparecer pessoalmente em um dos órgãos citados anteriormente. O mais conhecido e estruturado é o Ligue 180, que funciona 24 horas em todo o país. Atualmente, o serviço também possui um número de WhatsApp, o (61) 99656-5008. Com a digitalização, também vão surgindo outras possibilidades. Desde 2020, é possível lavrar o boletim de ocorrência de uma situação de violência contra a mulher de forma online em alguns estados, no Paraná e em São Paulo.

Ponto final

Neste artigo, buscamos orientar as vítimas sobre como agir após uma agressão, no sentido de levar a situação aos conhecimentos das autoridades policiais e judiciárias. Mas a responsabilidade de dar fim a esse ciclo violento não é da vítima, mas da sociedade como um todo. Da conscientização à punição, essa é uma luta que deve ser permanente.

Referências

https://oglobo.globo.com/celina/o-que-mulher-deve-fazer-depois-de-denunciar-violencia-domestica-entenda-24763280

https://www.uol.com.br/universa/noticias/azmina/2022/05/26/como-fazer-denuncia-pela-lei-maria-da-penha-veja-passo-a-passo-e-opcoes.htm

https://www.jusbrasil.com.br/noticias/cnj-servico-passo-a-passo-do-processo-de-violencia-contra-a-mulher/370952154

https://www.gov.br/pt-br/servicos/denunciar-e-buscar-ajuda-a-vitimas-de-violencia-contra-mulheres

https://www.cnj.jus.br/lei-maria-da-penha/

https://www.camara.leg.br/noticias/904861-nos-16-anos-da-lei-maria-da-penha-procuradora-da-mulher-cobra-efetiva-implantacao-da-norma/

https://www.camara.leg.br/noticias/908353-sancionada-lei-que-institui-o-agosto-lilas-em-ambito-nacional/#:~:text=%E2%80%9CO%20Agosto%20Lil%C3%A1s%20nasceu%20com,a%20popula%C3%A7%C3%A3o%E2%80%9D%2C%20afirmou%20Dickson.