Violência contra a Mulher: do protagonismo do sujeito à origem do problema

POR: MARIA FRANCISCA ACCIOLY

No ano de 2020, uma mulher morreu a cada seis horas e meia no Brasil vítima de feminicídio. Um dado amplamente divulgado pela imprensa nacional, debatido pela sociedade e tratado pela opinião pública com muita preocupação. E não seria para menos. A tirar como base da estatística do ano passado, ao término da produção deste artigo, infelizmente, uma mulher terá sido assassinada pelo simples fato de ser mulher.

Assusta a percepção de que no tempo em que se dedica a ajudar a preservar a vida, como na produção desse singelo artigo, tenhamos a constatação real de que uma vida feminina foi ceifada. A realidade é essa, infelizmente. A reflexão que trago a partir de hoje, todas as sextas-feiras, em uma série de quatro artigos, é sobre as raízes que nutrem essa violência desmedida e injustificável.

Por quanto tempo ainda trataremos desse tema em seu resultado final que é a morte de uma mulher? A pergunta pode até parecer simples, algo que pode soar o senso comum. Porém, ao pensar na resposta, nos deparamos com uma realidade difícil, complexa, correspondente a demanda de uma soma de comportamentos e padrões cristalizados nas famílias, nas empresas, na sociedade de forma geral. É fato concreto que existe uma gama de estudos, pesquisas, esforços de forma abrangente a discutir o problema, mas o acesso a essas informações ainda não tem a mesma intensidade que as tristes notícias do resultado morte em decorrência da violência de gênero.

Sujeito da ação

Julgo, verticalizando um pouco mais o pensamento sobre o tema, que a própria linha de abordagem da informação de massa, de maneira involuntária, recai sobre o sujeito errado na ação. Focamos incansavelmente na vítima, em sua história e como não teve condições de se defender do mal com que convivia. A violência contra a mulher tem como sujeito da ação o homem. É dele o protagonismo desse triste capítulo que nossa sociedade luta para encerrar. Em tempo, ao observar tal protagonismo, migramos para um pensamento mais amplo das causas que tornam o homem um potencial assassino da mulher.

Ao exercitar esse raciocínio, é necessário que voltemos nossos olhos para o núcleo familiar, o berço, o seio de criação do homem. Nele, o núcleo familiar, invariavelmente, encontraremos pai, mãe, tios, tias, irmãos, irmãs, famílias de forma geral, estruturando a posição e o conceito de homem e mulher em nossa sociedade. Se formos além, encontraremos o mesmo processo nas escolas, nas empresas, nas rodas sociais, enfim. Chegamos à cultura do Patriarcado!

Falar sobre Patriarcado, sobre a ideia do homem como senhor absoluto na família e na sociedade, o provedor, o alfa, o que domina, protege e pune é um assunto que deve ser discutido com racionalidade, pensamento crítico e não com o fígado e ideologias maniqueístas. Tratamos aqui de um problema grave que afeta a vida, que envolve comportamento, cultura de criação e hierarquias familiares que hoje, para uma sociedade moderna, estão mais que defasadas. Daí a importância de pensar e refletir sobre o contexto em que vivemos. Um convite a um estudo com objetivo de construir pontes em busca de soluções, jamais muros.

O sujeito da ação não é nem nunca será a mulher tão somente. O sujeito da ação é a família, a sociedade como um todo. Somos todos nós !

Notícias que se confundem

Embora seja minimamente possível enxergar o real protagonismo da violência de gênero, da violência contra a mulher, no Brasil, as notícias semanais seguem priorizando como centro da notícia tão somente a mulher vítima da violência. E sim, isso deve, precisa acontecer. As pessoas precisam saber que a cada dia que termina, quatro mulheres são assassinadas no Brasil por simplesmente serem mulheres. No entanto, algo de muito grave acontece de forma silenciosa na sociedade para que a cada dia encerrado, tenhamos mais quatro vidas perdidas em razão do feminicídio.

São tantos relatos, que as notícias se confundem, tamanho o volume de crimes de violência contra a mulher no Brasil. Uma pesquisa rápida na internet revela um obituário diário de vítimas de feminicídio em formato de noticias de crimes de homicídio. A demanda é tamanha que as discussões sobre as raízes desse problema e os debates mais aprofundados sobre a natureza cognitiva e comportamental dos autores desses crimes acaba por ficar em segundo plano.

E é sobre isso, sobre a natureza dos agressores, dos feminicidas, e as origens de suas condutas delituosas, criminosas e homicidas que iremos tratar nos artigos seguintes. O animus necandi (intenção de matar) do feminicída tem origem conhecida pela ciência. Por isso deixo uma provocação ao pensamento crítico para você que chegou até o fim deste artigo: “É possível admitir que parte da causa esteja junto a você, com você, ou perto de você e dos seus?

Até a próxima semana.