Contexto dos crimes tributários no day after do COVID-19

Quais serão os reflexos da crise sanitária do COVID-19 de conhecimento público e notório, com magnitude global, no que tange aos crimes tributários?

Não há dúvidas de que vivemos dias de incertezas e muitos questionamentos com a pandemia causada pelo novo coronavírus. No entanto, o que todos se questionam é como sairemos dessa situação epidêmica que assolará a economia do país e do mundo em níveis de insustentabilidade jamais vistos.

Diversos são os estudos acerca das condutas que podem caracterizar ilícitos penais durante esse tempo de isolamento e afastamento social.

No entanto, como será o day after à epidemia? Quais são as condutas que o Judiciário irá entender como atípicas neste contexto? A responsabilização pelos atos tomados na gestão das empresas durante a pandemia e pós pandemia recairá sobre quais atores?

Para o momento atual, as empresas precisam se precaver e atuar estritamente dentro dos parâmetros legais e normativos editados pelo Governo Federal e pelos Estados a fim de que no day after as consequências legais não sejam piores do que as suportadas no auge sanitário da pandemia.

O Governo Federal editou, entre outras, diversas normativas a saber:

– Prorrogação do prazo para pagamento dos tributos federais para as empresas integrantes do Simples Nacional e dos Microempreendedores Individuais (MEI) – Resolução do CGSN 152/2020;

– Período de apuração de março/20, com vencimento original em 20 de abril de 2020, teve o vencimento prorrogado para 20 de outubro de 2020;

– período de apuração de abril de 2020, com vencimento original em 20 de maio de 2020, teve o vencimento prorrogado para 20 de novembro de 2020; e

– período de apuração maio de 2020, com vencimento original em 22 de junho de 2020, teve o vencimento prorrogado para 21 de dezembro de 2020.

– Prorrogação do prazo para recolhimento do FGTS dos períodos de apuração de março, abril e maio/2020 (vencimentos em abril, maio e junho/20) – MP 927/20;

– GFIP/SEFIP deverá ser transmitida até 20/6/2020; e o vencimento poderá ser quitado em até 6 parcelas mensais, com vencimento no 7º dia de cada mês, a partir de julho de 2020, sem a incidência de atualização, multa e juros de mora.

– Suspensão, por 90 dias, das seguintes medidas de cobrança administrativa pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – Portaria PGFN 7.821/20:

– protesto de certidões de dívida ativa; e instauração de Procedimentos Administrativos de Responsabilidade; exclusão de contribuintes de parcelamentos, por inadimplência de parcelas.

As normativas são bem claras ao tratar de “medidas temporárias de prevenção ao contágio pelo Novo Coronavírus (COVID-19), considerando a classificação de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional” e que podem ser modificadas a qualquer tempo segundo a evolução epidemiológica da COVID-19.

De todo modo, passado este evento, qual será o entendimento do Ministério Público Federal e dos Estaduais em se tratando de descumprimento de tais regras? Como o atraso no pagamento das parcelas por evidente fragilidade econômica das empresas será tratado?

O cenário atual ainda é mais preocupante a partir da tese firmada[1], ainda que por apertada maioria, pelo Supremo Tribunal Federal acerca da criminalização do não recolhimento intencional do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ocorrida no julgamento do RHC 163.334 em dezembro de 2019. Naquela oportunidade, restou fixado entendimento de que o “…contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do artigo 2º (inciso II) da Lei 8.137/1990[2].

O risco dos gestores das empresas se verem investigados e/ou processados criminalmente por este ilícito penal, uma vez passada a pandemia, existe e todos devem se preparar para eventuais casos penais que daí surgirem.

Não há ainda qualquer posição da Procuradoria-Geral da República sobre o tema. Já o Promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Crimes de Sonegação Fiscal do Ministério Público do Estado de São Paulo, Dr. Luiz Henrique Dal Poz, em nota enviada ao site de notícias JOTA[3], assinalou que “inadimplência pontual e situações de equívoco contábil são analisadas com cautela, diferentemente de fraudes estruturadas em empresas.”

Nada obstante, se antevê absurda a persecução penal sobre tais atos gerenciais e estratégicos no contexto epidêmico, com o que se espera cautela dos órgãos de persecução nas decisões pós-epidemia.

Se assim não for, caberá ao Poder Judiciário firme análise e deferimento de habeas corpus para suspensão/trancamento de investigações que gerem constrangimentos ilegais evidentes quando não aplicar, em decisões de mérito, a já sedimentada jurisprudência que reconhece a inexigibilidade de conduta diversa[4] para situações de comprovada dificuldade financeira que tenha impossibilitado o recolhimento do ICMS dentro do prazo legal.


[1] Cuja impropriedade, com a devida vênia, foi muito bem retratada por Heloisa Estellita e Aldo de Paula Junior: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/penal-em-foco/o-stf-e-o-rhc-163-334-uma-proposta-de-punicao-da-mera-inadimplencia-tributaria-10122019

[2] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=433114

[3] https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/coronavirus-inadimplencia-icms-25032020

[4] Que, embora estruturada ao delito do artigo 168-A do Código Penal, se adequa perfeitamente ao artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90.

Artigo de autoria dos advogados Maria Francisca Accioly e Daniel Laufer