Regulamentação do lobby no Brasil: lacuna legislativa merece uma discussão aprofundada

O que você entende por “lobby”?

Na raiz do termo, lobby compreende uma série de atividades com o objetivo de influenciar decisões em projetos de lei que concernem setores e assuntos diversos. Essa possibilidade de influenciar os rumos de uma decisão está presente, naturalmente, no ambiente democrático. Podem praticar o lobby pessoas físicas, empresas ou grupos — como ONGs, Associações Comerciais, entre outros — que buscam garantir o resultado mais alinhado possível aos seus interesses.

No Brasil, essa é uma prática que possui uma conotação negativa. Paira sobre a atividade de lobby uma aura de ilegalidade. Mas ao contrário do que muitos podem pensar, o lobby, por si, não configura crime, ainda que não seja uma figura regulamentada como em outros países.

Então, surge uma dúvida: se o lobby está enraizado no contato legítimo entre o ambiente político e diferentes atores, porque essa atividade é vista como negativa? No Brasil, a resposta é multifatorial. A ausência de regulação, a associação do termo a práticas ilícitas ou ainda atividades antiéticas contribuem para a visão negativa sobre o tema. Neste artigo, vamos explorar o lobby sob o prisma jurídico e social propondo uma discussão sobre o status quo da prática e sua possível regulamentação.

Criminalização do lobby

Por mais que a prática não seja proibida no Brasil, popularmente, o lobby é visto como uma atividade que beira a ilegalidade. Contudo, defender um ponto de vista é um direito defendido no artigo 5º da Constituição Federal. O inciso XXXIV define: “São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder […]”.

Contudo, a falta de controle sobre atividades lobistas coloca a prática em um limbo jurídico e ainda fornece brechas para o cometimento de crimes. Ligadas à prática profissional do lobby, já foram identificadas atitudes delituosas como corrupção (artigos 372.º a 374.º-A), tráfico de influência (artigo 335.º) e a corrupção privada (outro item relegado a um limbo, já que não há previsão criminal sobre essa ação). A corrupção inclui oferecer uma contrapartida para obter uma vantagem indevida para si mesmo ou para um terceiro. O tráfico de influência, por sua vez, ocorre quando há pedido, exigência, cobrança ou obtenção dessa vantagem, a partir de uma suposta influência junto de qualquer entidade pública, nacional ou estrangeira. A corrupção privada acontece quando um empregado ou representante de empresa ou instituição privada solicita ou recebe vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem para realizar ou omitir ato inerente às suas atribuições. Esta atitude ainda não é considerada crime, mas sua tipificação está em processo de discussão no Senado. E sua prática pode estar relacionada a outras ações realmente delituosas.

Além das críticas à ligação do lobby com práticas criminosas, outra ponderação negativa sobre esse tipo de atuação tem lastro na ideia de que grandes empresas, indústrias e grupos financeiros têm acesso a mais ferramentas para defender seus interesses do que ONGs e organizações da sociedade civil. Portanto, não haveria igualdade de oportunidades no lobby. Em contrapartida, é importante considerar que o lobby não é o único responsável por direcionar ou definir uma decisão política.

Regulamentação do lobby no Brasil e no mundo

Apesar da ocupação de lobista ser reconhecida como uma profissão pelo Ministério do Trabalho, ainda falta legislação sobre o assunto e controle sobre atividades lobistas. Houve tentativas de regulamentação no Brasil em 2007 e 2022, mas nenhuma delas ultrapassou a fase de discussão no Senado Federal. O mais recente projeto de lei relativo ao assunto (n° 2914/2022) está aguardando apreciação pelo Senado.

Em outros países, como a França, os Estados Unidos e a Inglaterra, o lobby possui regulamentação. Apesar de tais atividades ainda serem alvos de críticas de representantes da sociedade civil, há também fatores considerados positivos. Por exemplo, para os defensores da via regulamentar, há um maior controle e monitoramento das atividades. Logo, entende-se que esses países possuem ferramentas mais efetivas para coibir práticas delituosas na realização do lobby.

A União Europeia (UE), por exemplo, impõe a adesão a um código de conduta para lobistas, assim como um registro formal das atividades de cada indivíduo ou instituição. Visando prestação de contas, o bloco possui o EU Transparency Register, um site dedicado à transparência de representantes de interesses. Como as decisões da União Europeia afetam 27 países, há uma grande comunidade de lobistas. Estima-se que 25 mil lobistas atuam em Bruxelas — uma das sedes do bloco. Ao verificar violações do código de ética na atividade de representação na UE, é possível utilizar um mecanismo de reclamação que pode desencadear um inquérito administrativo. Contudo, mesmo com tais mecanismos, grupos de movimentos sociais denunciam a influência excessiva de grandes corporações na UE.

Nos Estados Unidos, o lobby está enraizado nos espaços de decisão. A prática é regulamentada, definindo-se, na lei, o que é lobby e quem atua como lobista. Em consonância com o sistema de administração dos Estados Unidos, os estados individualmente também estabelecem limites à atividade. Estados podem, por exemplo, exigir o registro dos lobistas e definir limites para presentes entre lobistas e políticos.

Qual o melhor caminho?

Exemplos internacionais demonstram que a regulamentação do lobby pode trazer vantagens na identificação de condutas antiéticas e/ou ilegais. De toda maneira, a regulamentação do lobby no Brasil deve englobar um debate democrático amplo com diferentes setores e grupos de interesse. Isso é essencial para a proteção do direito à petição frente aos espaços de decisão. Agora, gostaríamos de ler a opinião de nossos leitores. Para vocês, qual seria o melhor caminho para garantir a regulamentação da representação de interesses na esfera pública e a participação igualitária de diferentes atores?