O perfil do agressor: potencial feminicida tem emprego, renda, é bom filho e diz “dar a vida pela família”

Por Maria Francisca Accioly

Nos textos anteriores discutimos os contextos que auxiliam na construção de um agressor de mulheres e um potencial feminicida. Fomos além, falamos também dos gatilhos que dão vazão à violência e o desprezo contra a mulher, antes ocultos nesseshomens. Hoje, quero falar um pouco do perfilamento do assassino de mulheres por sua condição de ser mulher, também conhecido como feminicida.

Ao longo da minha caminhada como criminalista me deparei com dezenas de relatos de feminicidas, agressores, justificando seus atos cruéis, desproporcionais e fatais. Amor, cuidado, indignação, descontrole, drogas, bebidas, ciúmes, culpa! Justificativas não faltam para um homem defender a morte de sua companheira.

A primeira coisa que precisa ser esclarecida é que o feminicida é um cidadão, na maioria dos casos, acima de qualquer suspeita. Bom profissional, bom filho, bom pai, bom amigo e, aos olhos da sociedade, bom marido ou namorado. Muitos deles nunca tiveram problemas com a justiça. Quando tiveram, a demanda estava diretamente ligada à violência doméstica.

O agressor é um camaleão. Suas máscaras sociais abonam sua conduta. Isso o torna confiante, seguro de si e de alta periculosidade. São indivíduos acima de qualquer suspeita. Por serem assim, se sentirem assim, acreditam na impunidade, acreditam em sua razão e motivo para o crime. Para eles, a culpa é da vítima. A vítima traçou as coordenadas da própria tragédia, eles apenas reagiram. Isso nos casos de autoria assumida. Em tantos outros, o feminicida tenta dissimular seu crime com o argumento de “suicídio”. Nesse caso, o argumento é atacar a saúde mental da mulher que não pode mais se defender.

O perfil feminicida

Quem é o feminicida? Quem é o homem capaz de matar a mulher que um dia jurou amor? Que com a vítima teve um matrimônio, filhos, um namoro, sonhos… quem é ele? Ele é um homem comum! É um cidadão com sua profissão, sua rotina diária, seus afazeres e compromissos triviais. Ele sai jantar fora com a família ou amigos, ele mantém suas redes sociais com seu status de relacionamento, fotos, declarações de amor. Tudo dentro do  padrão esperado pela sociedade. Ele é qualquer um em meio à multidão. Porém, a psicologia forense, a criminologia e a psiquiatria forense já têm definido o perfil cognitivo, comportamental desse indivíduo. E são pelo menos quatro perfis mais comuns na sociedade atual. E é sobre eles que iremos tratar.

Idade do feminicida

As pesquisas mais recentes feitas por entidades que estudam o feminicídio, como o próprio  Poder Judiciário, mostram que 45,4% dos assassinos têm idade entre 20 anos e 30 anos. Os com idade entre 40 e 50 anos somam 22,3%. Os adolescentes são 3% dos feminicidas enquanto homens idosos que matam suas companheiras ou ex-companheiras representam 0,8% deste total.

Perfil comportamental

Um estudo recente, feito pelo criminólogo e psicólogo espanhol Raul Aguilar Ruiz, e publicado pelo Conselho Geral de Psicologia da Espanha revelou quatro perfis recorrentes em homens acusados de feminicídio. Os doentes mentais, os Antissociais/Coativos, os Normalizados/Temerosos e os Antissociais Moderados/Ciumentos. Abaixo, na íntegra, o descritivo de cada perfil, conforme narra o estudo.

Doentes Mentais

São homens que padecem de algum transtorno mental, mas sem traços prévios aparentes de periculosidade criminal. Entre os transtornos observados costuma-se apresentar a sintomatologia psicótica, transtorno bipolar ou transtorno delirante. Parece que os assassinatos foram consequência de crises agudas de sua psicopatologia e não foram causados por ciúmes ou términos de relacionamento.

Antissociais/Coativos

Esse tipo de homem conta com um histórico de violência prévia, com consumo abusivo de álcool e entorpecentes. Tem antecedentes de violência dentro e fora do ambiente familiar.

Podem existir, ao mesmo tempo, transtornos de personalidade narcisista e dissocial, mas  não quadros de depressão ou ansiedade. Reagem violentamente diante do abandono, ou algum momento de ciúmes se converte em um ataque violento e imprevisível contra a mulher.

Normalizados/Temerosos

Apresentam quadros severos de depressão e ansiedade diante do abandono ou do término de uma relação amorosa. Apesar de não terem adquirido hábitos importantes de uso de álcool ou de outras drogas, costumam ter antecedentes de violência contra a parceira.

Os conflitos são frequentes e há inúmeras denúncias da vítima no ano prévio ao seu assassinato. Existem também múltiplas ameaças de suicídio por parte do feminicida. Essas ameaças de suicídio coincidem com o abandono pela parceira ou com denúncias a ele impostas.

Antissociais Moderados/Ciumentos

Esse quarto tipo de homem parece ser mais afetado não pelo abandono da mulher, mas sim se for trocado por outro homem. Sua motivação parece ser, principalmente, derivada de ciúmes. Os transtornos mentais associados a esse tipo costumam ser transtornos do humor e transtornos neuróticos.

Não normalizar personalidades explosivas e instáveis

O fragmento de estudo recortado acima nos faz um alerta. Normalizar comportamentos agressivos, explosivos, coativos, dissimulados. Há padrões de conduta já conhecidos e estudados que demonstram quando uma mulher está em risco de se tornar vítima de agressão ou feminicídio . Existem sinais muito claros e objetivos dados pelo potencial agressor e que ele não consegue esconder, por mais que tente. É preciso lembrar do termo usado  no início do texto. O feminicida é um camaleão. Os sinais devem ser lidos, interpretados e ao menor indício de se estar na presença de um agressor, é importante tomar o controle das decisões pessoais e procurar ajuda.

Na próxima semana, trarei nosso último artigo sobre o DNA de um feminicida e com ele reflexões importantes sobre esse mal que assola nossa sociedade e faz centenas de mulheres vítimas todos os anos.