Você com certeza já ouviu falar sobre o bullying na mídia, em filmes, em palestras escolares, ou no pior dos casos, seu filho contou estar sofrendo bullying na escola. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o bullying impacta a vida escolar de crianças e adolescentes, pois pode levar à falta de interesse em frequentar a escola e queda no desempenho. Além disso, a prática pode desencadear ansiedade e outros transtornos psicológicos em suas vítimas.
Dada a complexidade do problema, muitas áreas e pessoas estão envolvidas nessa temática, como estudantes, pais, professores, profissionais da psicologia, entre outros. No entanto, desde a promulgação da Lei 14.811, em Janeiro de 2024, que criminaliza o bullying, o papel do Direito Penal em relação ao tema ficou cada vez mais saliente. A lei representa um passo importante de reconhecimento desse comportamento — particularmente ligado a crianças e adolescentes — como danoso.
No entanto, algumas dúvidas podem surgir ao se deparar com um caso de bullying, em especial por parte de pais que suspeitam que seus filhos passem por isso. Afinal, o que caracteriza esse ato na esfera penal? Como é possível diferenciar o bullying de ofensas menores no ambiente escolar? E, finalmente, o que fazer caso seu filho seja vítima desse comportamento? Neste artigo, vamos destrinchar os detalhes do papel do Direito Penal no tema.
Um problema de todos
Em 2019, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada pelo IBGE, revelou que 23% dos estudantes brasileiros de 13 a 17 anos afirmaram que se sentiram ofendidos e/ou humilhados pelos colegas, por duas ou mais vezes, nos 30 dias anteriores à pesquisa. Se quase um quarto dos estudantes são afetados por hostilidades no ambiente escolar, esse é um problema que não deve ser ignorado.
De acordo com o Unicef, o bullying pode ser identificado a partir de três características principais: intenção, repetição e poder. Aquele que pratica o bullying tem como objetivo causar sofrimento físico ou psicológico. De acordo com a instituição, o bullying a partir de agressões físicas é mais comum entre os meninos, enquanto as meninas sofrem mais com as agressões psicológicas, como palavras maldosas.
Entende-se que é o papel de diferentes agentes e instituições coibir o bullying e conscientizar sobre seus danos. As escolas, famílias e mesmo o Estado têm parte em contribuir com esses esforços. A Lei 14.811/24 veio, em parte, como resposta a essa problemática. Mas como essa lei funciona e em que casos ela pode ser utilizada?
O que diz a Lei?
Assim como na definição da Unicef, a Lei 14.811/24 reconhece o bullying como um padrão repetitivo e sistemático de comportamento. Logo, incidentes isolados, como um xingamento pontual, por exemplo, não são considerados casos de bullying. A lei de 2024 introduziu o artigo 146-A no Código Penal, criminalizando a intimidação sistemática, individual ou em grupo, mediante violência física ou psicológica de modo repetitivo. A definição jurídica ainda traz as ações que podem configurar bullying, como atos de intimidação, de discriminação, de humilhação ou atos verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, ou materiais. A pena prevista é multa, caso a conduta não constitua crime mais grave.
A lei também considera a dimensão virtual desse comportamento: o cyberbullying. A intimidação sistemática virtual cobre o mesmo comportamento, mas quando realizado por meio da internet, de redes sociais, de jogos on-line, de aplicativos, ou outros meios digitais. Isso também engloba conteúdo transmitido em tempo real, como por exemplo intimidar alguém por meio de lives no Instagram. No entanto, o Código Penal prevê uma pena maior para a dimensão virtual do bullying. A punição é de reclusão de 2 a 4 anos e multa.
É importante lembrar que estamos tratando de um crime presente, em especial, na população jovem, inclusive, abaixo de 18 anos. Jovens de 12 a 18 anos podem ser punidos por atos infracionais pela aplicação de medidas socioeducativas, como estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Quando procurar a Justiça em casos de Bullying?
Casos de ridicularização recorrente, comportamento hostil prolongado e ofensas reiteradas pessoalmente ou em redes sociais são caracterizados como bullying e podem ser levados para a esfera criminal.
No entanto, é preciso considerar alguns passos prévios, principalmente por que a lei que tipificou o bullying como crime reforçou o papel das escolas na prevenção e no combate a essas práticas. Por isso, é necessário informar o estabelecimento de ensino sobre esse tipo de comportamento assim que for identificado. Cabe à escola realizar ações para coibir a prática e que pais e responsáveis estejam dispostos a contribuir com a resolução do problema.
A judicialização desses casos deve ser reservada para situações graves, quando certos limites são ultrapassados e impedem a convivência pacífica dos envolvidos. Quando o assunto é bullying, muitas variáveis, incluindo o lado emocional de pais, responsáveis e jovens, tendem a criar uma situação muito complexa.
Nesse momento, é importante pensar com cuidado em um plano de ação e se a esfera criminal faz sentido. O ideal é agir cedo, com a parceria da escola e dos envolvidos dos dois lados: da vítima e do agressor. Mas se não houver soluções a partir do diálogo e da negociação informal entre os envolvidos, o Direito Penal pode ser o caminho.