O artigo 282, §6º, do Código de Processo Penal, como obstáculo à decretação da prisão preventiva?

Há muito se defende que a aplicação do direito penal é a ultima ratio do Estado e funciona como medida de exceção no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, não é incomum o atropelo destas exceções para que fosse possível a decretação da prisão preventiva do réu ou investigado nos moldes do artigo 312, do Código de Processo Penal.

A medida autorizadora da prisão exige que sejam analisados profundamente se o caso em análise preencheria todos os requisitos objetivos a fim de demonstrar que a prisão do agente garantiria a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal e/ou a aplicação da lei penal. 

No entanto, tal análise vertical muitas vezes é permeada de argumentos meramente genéricos e vagos, que servem como indevido suporte para a autorização da prisão cautelar. 

Diante disso, a lógica processual resultante, por sua vez, é sempre a propositura de remédio constitucional por parte do preso para que possa expor ao tribunal a desnecessidade da prisão e o não preenchimento dos requisitos do artigo 312, do Código de Processo Penal. 

O que uma vez foi tema de inúmeros recursos defensivos, a lei anticrime, com o advento do §6º, no artigo 282, do Código de Processo Penal, tornou norma.

Agora, “a prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 [do Código de Processo Penal], e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada”. 

Em outras palavras, com a recente alteração no artigo 282, deverá o decreto prisional expor, sob à luz do caso concreto, fundamentos hábeis e legítimos que autorizem o desprezo das medidas diversas à prisão. 

Como exemplo é a honrável decisão do Exmo. Min. Humberto Martins, em 24/12/2020, no bojo do Habeas Corpus n. 636529/SP. O decreto prisional se alicerçou sob o argumento de que o investigado, ex-Prefeito Municipal, estaria envolvido com organização criminosa voltada à prática de crimes contra a administração pública.

O eminente Julgador converteu liminarmente a prisão preventiva em domiciliar por não ter ficado “caracterizada a impossibilidade de adoção de medida cautelar substitutiva menos gravosa, conforme disposição do art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal”,vez que o Juízo de origem, no momento de analisar a questão, “fê-lo de forma genérica, muito mais vinculada às circunstâncias de tratar-se de organização criminosa e do fato de ter o paciente, sendo atual prefeito, notória influência”.

Neste sentido, argumentou ainda, que o elemento  ser agente público é integrador do tipo penal, não sendo possível, portanto, justificar medida mais gravosa, “em especial porque, embora graves as condutas imputadas, não se trata de crimes praticados com violência ou grave ameaça”.

Resta, portanto, inegável que com o advento do §6º, no artigo 282, do CPP, deverá o decreto prisional demonstrar porque o caso concreto não comporta a imposição de medidas cautelares diversas da prisão.

Os dias da subjetividade dos requisitos da prisão preventiva e decisões genéricas estariam contados?


Artigo de autoria de Gabriel Kuczuvei – advogado especializado em Direito Penal do escritório Accioly, Laufer Sociedade de Advogados. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).