Inteligência Artificial nas Eleições: os limites e os desdobramentos penais

Estamos a poucas semanas do dia das eleições municipais e em pleno período de campanha eleitoral. Com isso, observamos muita movimentação nas redes sociais de candidatos e militantes, o que já é habitual, mas com um elemento adicional: neste ano, a Inteligência Artificial (IA) generativa está em alta, tornando-se um artifício no jogo político-partidário.

Ainda sequer superamos a discussão sobre os limites das fake news e a IA surge como uma ferramenta que pode ser usada para melhorar a produtividade de campanhas e ampliar o alcance do debate político mas, ao mesmo tempo, pode causar sérios prejuízos se usadas de má fé. E, como se não bastasse, essa transformação acelerada não consegue ser acompanhada pela legislação. Para fazer esse papel regulamentar, além do que já prevê o Código Eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabelece a cada pleito normas para regulamentar determinadas situações. Nas eleições municipais de 2024 não seria diferente. Especificamente, o TSE aprovou neste ano 12 resoluções, incluindo a regulamentação do uso de IA nas campanhas eleitorais. O objetivo é proteger a integridade do processo eleitoral e garantir que a escolha dos eleitores seja informada e livre de manipulações.

O que pode ser feito com IA nas eleições?

De forma assertiva, afinal, é um caminho inevitável, o TSE permite o uso de conteúdos gerados por inteligência artificial. Entretanto, esse uso é bastante restrito. Os candidatos poderão utilizar a IA generativa em suas campanhas, mas qualquer conteúdo criado ou manipulado por IA deve ser explicitamente identificado como tal, incluindo qual foi a tecnologia aplicada. Também estão permitidas ferramentas de contato, como chatbots (robôs de automação) e avatares. Aqui, a premissa de sinalização também é obrigatória. Não é permitido simular conversas reais com candidatos ou pessoas reais. É apenas uma ferramenta adicional para contato com o eleitor.

O que não pode ser feito?

Por outro lado, o TSE também estipula proibições no uso da IA. Está expressamente vedado o uso de deepfakes. As deepfakes são conteúdos, em vídeo, imagens ou áudio, manipulados digitalmente para criar, substituir ou alterar a imagem ou voz de uma pessoa. Esse é um instrumento muito usado por quem busca fazer humor ou até críticas a personagens políticos. Mas nas campanhas esse tipo de uso não será permitido. As novas resoluções, em conjunto com determinações já feitas nas últimas eleições, também proíbem o uso da IA na criação e disseminação de conteúdo falso ou gravemente descontextualizado.

Em paralelo, levando em conta que boa parte do conteúdo gerado por IA é posteriormente compartilhado via redes sociais, o TSE ampliou as responsabilidades dos provedores e das plataformas. Os prestadores desses serviços têm obrigação de remover conteúdos falsos ou descontextualizados, sem a necessidade de uma decisão judicial prévia. Se as plataformas não cumprirem essas determinações, podem ser responsabilizadas, assim como os usuários disseminadores desse material. As redes sociais também estão proibidas de vender impulsionamento para conteúdos falsos e de remunerar canais e contas pela veiculação de fake news. A Justiça Eleitoral pode determinar que as plataformas divulguem conteúdos esclarecedores para refutar informações falsas, garantindo que o esclarecimento tenha o mesmo alcance do material originalmente divulgado.

Se por um lado temos uma importante demarcação dos limites, ainda não deliberada pelos parlamentares brasileiros, por outro poderá fazer com que a disputa eleitoral seja excessivamente judicializada.

Existem desdobramentos penais?

A mera infração a uma resolução estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral não gera como consequência imediata algum tipo de responsabilização penal. Em linhas gerais, a maior parte das infrações acaba sendo resolvida na esfera administrativa. No entanto, a depender da iniciativa a qual a IA será utilizada, naturalmente podem surgir questões relacionadas aos crimes eleitorais.

Por exemplo, o uso de deepfakes pode ser enquadrado como crime de divulgação de fatos inverídicos, previsto no art. 323 do Código Eleitoral, com pena de detenção que pode variar de 2 meses a 1 ano e pagamento de multa. Dependendo da forma com que é utilizada, o autor da deepfake também pode ser enquadrado nos artigos 324, 325 e 326, que estipulam a calúnia, a difamação e a injúria no contexto eleitoral. Esse tipo de ação também pode resultar na cassação do registro da candidatura ou do mandato.

Sempre é importante lembrar que os crimes eleitorais são de natureza de ação pública incondicionada (de responsabilidade do Ministério Público, sem a necessidade de representação da vítima) e contam com um processo penal diverso do tradicional, também previsto no Código Eleitoral.

Como prevenir crimes eleitorais?

Gestão de riscos criminais, política de conformidade e vontade de fazer diferente. Essa é a resposta para aqueles que pretendem se prevenir dos crimes eleitorais. Um dos pontos primordiais nessa equação é a correta informação. Não são raros os casos de candidatos desinformados sobre as consequências de suas ações que acabam respondendo a crimes eleitorais sem sequer entender o porquê são réus. Advogados, em especial aqueles com expertise no ambiente criminal, podem contribuir com partidos, federações e candidatos levando a correta orientação sobre as regras a serem cumpridas, como é o caso das resoluções sobre Inteligência Artificial, bem como na análise de documentos e registros pertinentes ao pleito.

Como denunciar crimes eleitorais?

A denúncia de crimes eleitorais pode ser feita por qualquer cidadão a um promotor ou juiz eleitoral de seu município. Mas, se estamos falando de tecnologias como a Inteligência Artificial, nada melhor do que sugerir um caminho mais moderno para isso. O TSE criou o Pardal, um aplicativo exclusivo para o recebimento de denúncias de irregularidades eleitorais.

De acordo com dados oficiais, nas duas últimas eleições (municipais de 2020 e gerais de 2022), foram realizadas mais de  mil denúncias pelo sistema. Dessas, mais de 8 mil denúncias foram provenientes do estado do Paraná. Através do Pardal, é possível enviar fotos, áudios e vídeos com informações sobre a denúncia. O aplicativo de celular está disponível para os sistemas Android e iOS.

Referências:

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Fevereiro/normas-do-tse-sobre-uso-de-inteligencia-artificial-nas-eleicoes-sao-apresentadas-no-plenario-do-stf

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Fevereiro/tse-proibe-uso-de-inteligencia-artificial-para-criar-e-propagar-conteudos-falsos-nas-eleicoes

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Marco/brasil-realiza-este-ano-a-1a-eleicao-municipal-com-federacoes-partidarias

https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr2/2024/deepfake-e-inteligencia-artificial-saiba-o-que-pode-e-o-que-e-proibido-nas-campanhas-eleitorais