Febre das bets: os limites criminais das apostas esportivas e similares

Apostas esportivas, Jogo do Tigrinho, jogos de slots, bets… quantas dessas expressões você já ouviu nos últimos tempos? Um levantamento do Banco Central indica que, nos primeiros oito meses deste ano, os brasileiros gastaram cerca de R$ 20 bilhões por mês em apostas online. Com este sucesso, um glossário inteiro compreendendo essa jogatina foi incorporado ao noticiário.

Assim que sites e aplicativos de apostas e jogos de azar se popularizaram no Brasil, diversas discussões culminaram no pedido por uma regulação mais sólida do setor, que tem sido realizada desde o ano passado. Entre os argumentos levantados para maior controle dessas atividades está o endividamento das famílias brasileiras, o uso dessas ferramentas para lavagem de dinheiro, a publicidade enganosa promovida por influenciadores e até mesmo a prevenção do vício em jogos de azar. Essa estigmatização ficou ainda mais forte após o caso que envolveu a empresa Esportes da Sorte e seus embaixadores publicitários.

Em meio a tantas mudanças e muito dinheiro envolvido, há grande desinformação sobre o que é crime e o que não é nesse contexto das apostas esportivas. A seguir, entenda os desdobramentos penais da regulamentação das bets.

Setor de apostas esportivas e jogos de azar

Em primeiro lugar, é importante diferenciar os tipos de jogos e apostas e o que a legislação brasileira determina sobre eles. As apostas esportivas, as famosas bets, são “legalizadas” desde 2018, quando foi sancionada a Lei nº 13.756. Atualmente, a legislação brasileira entende que as apostas esportivas funcionam da mesma forma que a loteria, pois seguem o sistema de apostas de quota fixa. Nessa modalidade, o apostador é informado sobre os seus possíveis ganhos de forma transparente. Com isso, as plataformas estrangeiras, como Bet365 e Betfair, ganharam ainda mais projeção no mercado brasileiro. Em paralelo, e com base nesta lei, empresas brasileiras começaram a se aventurar nesta área. O setor, porém, não era devidamente regulado, deixando várias brechas que, por um lado gerava insegurança jurídica a apostadores e bancas e, por outro, deixava um caminho livre para sua exploração ilegal. A regulação dessas plataformas foi promulgada em 2023 pela Lei nº 14.790, que, entre outros pontos, versa também sobre a publicidade do setor.

Dito isso, qual foi o impacto criminal sobre o tema? As apostas esportivas, que antes eram consideradas uma contravenção penal, agora estão liberadas. Ou seja, o apostador não está mais sujeito à excessiva punição de até R$ 200 mil reais por fazer uma fezinha – ainda que a Lei de Contravenções Penais siga considerando apostas em competições esportivas como jogos de azar. Pelo lado das empresas, a exploração das apostas está permitida, desde que ela obtenha as autorizações do Governo Federal para operar e cumpra os requisitos regulamentares. Ou seja, aquele que explorar jogos de azar e apostas esportivas fora desses limites, poderá estar incorrendo em crimes ou contravenções penais previstas.

Já as plataformas que oferecem jogos de cassino, em tese, operam de forma ilegal, com base na mesma Lei de Contravenções Penais. Por isso, grande parte das plataformas que oferecem os jogos de cassino online são sediadas fora do Brasil como forma de evitar que as plataformas sejam retiradas do ar. Apesar da ilegalidade de jogos de azar, as plataformas de slots como o Jogo do Tigrinho (Fortune Tiger), contam com uma portaria dedicada à sua regulamentação desde julho deste ano (Portaria SPA/MF nº 1.207). Portanto, alguns desses jogos são permitidos no Brasil, contanto que sigam as recomendações da portaria e estejam em plataformas autorizadas pelo Ministério da Fazenda.

Regulamentação e controle

Como mencionado anteriormente, a regulamentação dessas plataformas já está em curso. Em outubro, o Ministério da Fazenda anunciou uma lista de plataformas autorizadas a operar no Brasil até dezembro. Mais de 2 mil sites que não cumpriram os requisitos para regularização foram banidos do Brasil. Nessa lista estavam incluídas empresas brasileiras, estrangeiras e até sites falsos, criados exclusivamente para ludibriar os apostadores. A partir de janeiro, as empresas autorizadas devem sediar suas plataformas no Brasil e adotar o domínio “bet.br” em seus sites.

Tudo indica, no entanto, que esse é só o começo da regulamentação das bets e jogos de cassino online. Alguns projetos de lei já propõem, por exemplo:

Por outro lado, há quem defenda a flexibilização dos jogos e apostas. Em junho, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou um projeto de lei (PL 2234/2022) que regulariza jogos de azar. O PL propõe a autorização para funcionamento de bingos e de cassinos no Brasil. Nesse caso, estariam incluídos tanto os jogos presenciais quanto online.

Crime organizado e jogos e apostas online

Além das questões sociais implicadas no setor, outro motivo emergiu como protagonista para a regulamentação: o uso dessas plataformas para lavagem de dinheiro. A Operação ‘Integration’, na qual a plataforma Esportes da Sorte está envolvida, por exemplo, investiga um suposto esquema de lavagem de dinheiro de bancas de jogo do bicho por meio de empresas de apostas esportivas, empresas de eventos e de publicidade. Em um primeiro momento, a plataforma ficou fora da lista de sites autorizados, mas uma decisão da Justiça reverteu a decisão do Governo Federal.

Do ponto de vista jurídico, há importantes pontos a serem considerados neste caso. Primeiramente, a exploração de apostas esportivas online não é sinônimo de lavagem de dinheiro. As apostas esportivas têm seus problemas crônicos, exigem uma sensibilidade e controle, mas não pode haver uma estigmatização criminal, da mesma maneira que aconteceu com as criptomoedas, por exemplo. Por outro lado, este mercado é sensível ao branqueamento de capitais, e demanda especial atenção das autoridades.

Um caminho em aberto

Cada vez mais, o mercado de apostas esportivas tem se consolidado no país, o que exige um papel ativo do Governo Federal em regulamentar esse nicho, fiscalizar os excessos e ao mesmo tempo proporcionar um ambiente saudável de negócios. No âmbito privado, os riscos penais se elevam em cenários como esse, de incerteza e insegurança jurídica, mas a tendência é que com o passar dos anos isso seja aos poucos corrigido. E, por último, mas não menos importante, deve-se conscientizar a população para que o jogo seja sempre feito de maneira responsável.