Para muitos empresários, o sistema tributário brasileiro é um bicho de sete cabeças. Se já é difícil lembrar o nome de todos os tributos, imagine então compreender todas as regras ligadas à prestação de contas ao fisco. Por isso, estar ciente dos riscos penais e como evitá-los é fundamental para qualquer empresa. Neste texto, vamos discutir um dos temas mais complexos do Direito Penal Econômico: os crimes tributários.
Esse conhecimento é vital para o empresariado brasileiro, já que muitas dúvidas pairam sobre o pensamento de gestores, sócios, CEOs e demais participantes da alta administração empresarial. Por exemplo, os tipos mais comuns de crimes tributários, a diferença entre inadimplência e sonegação, como se dá a responsabilização penal em questões tributárias, entre outras.
Os crimes contra a ordem tributária
A lei nº 8.137/1990 define uma série de crimes contra a ordem tributária, econômica e as relações de consumo. A legislação busca proteger o erário público, em outras palavras, o patrimônio formado graças à arrecadação dos tributos. Logo, o Estado busca coibir práticas que reduzam ou suprimam o recolhimento de impostos. Diferentes práticas em empresas podem levar a isso, de forma intencional ou não. A não emissão de notas fiscais, por exemplo, prejudica o recolhimento de impostos e, logo, é um crime previsto no art. 1 da lei nº 8.137/1990.
Entre os crimes mais comum, destacam-se:
- Falsificação ou alteração de documentos fiscais;
- Omissão de informações ou inserção de dados falsos em obrigações acessórias;
- Fraude à fiscalização tributária;
- Manutenção de “caixa 2”, ou seja, movimentação financeira não registrada.
Para os empresários, os artigos 1o e 2o da Lei 8137/90 são os mais relevantes, pois tratam de crimes realizados por entes privados. Já o artigo 3o versa sobre crimes tributários praticados por funcionários públicos, mas também pode atingir particulares que atuem em conjunto com esses agentes e tenham ciência de sua condição.
Quando falamos dos crimes, no entanto, deve-se ressaltar que a inadimplência fiscal, ou seja, não pagar os impostos, não é crime tributário. De forma simplificada, ter dívidas não é crime, mas usar mecanismos para enganar o fisco e sonegar impostos é.
Quem responde pelos crimes tributários?
A responsabilização penal por crimes tributários não recai mais sobre o contador, como muitas vezes se acreditou no passado. Essa visão está superada no meio jurídico. Hoje, o entendimento consolidado é que a responsabilidade é pessoal e recai sobre quem efetivamente detém o poder de decisão dentro da empresa, lembrando que nos crimes tributários, pessoas jurídicas não podem ser responsabilizadas criminalmente. Assim, as denúncias e condenações costumam atingir diretores, sócios-administradores, CFOs e demais gestores com poder sobre a gestão financeira e tributária da empresa.
A jurisprudência atual não admite a denúncia automática apenas pelo fato de alguém constar como sócio no contrato social. Contudo, a prática tem mostrado que sócios que participam ativamente da gestão — especialmente na área financeira — continuam sendo os principais alvos de denúncias do Ministério Público.
E há uma razão clara para isso: crimes tributários envolvem dinheiro e em razão disso o entendimento dos órgãos de acusação é o de que quem mais detém poder sobre os recursos da empresa são justamente os sócios com alçada de gestão e os executivos financeiros.
Por isso, a responsabilização penal está cada vez mais ligada à função efetiva exercida por cada agente. Tribunais e órgãos de controle têm adotado uma análise refinada: quem participou da administração? Quem deliberou sobre pagamentos, omissões, fraudes ou estratégias fiscais?
Esse movimento representa uma evolução quanto ao risco jurídico envolvido, pois assumir um papel de liderança implica igualmente assumir também riscos jurídicos reais — inclusive criminais. Estar preparado, amparado por boas práticas e por um sistema de compliance eficaz é fundamental para prevenir problemas e preservar a integridade dos gestores e da empresa.
Outra peculiaridade do Direito Penal Tributário é que ele não admite crime culposo — ou seja, não existe responsabilização por negligência ou erro sem intenção. Os crimes tributários exigem conduta dolosa, a intenção de lesar o fisco. No entanto, na prática, muitas vezes inconsistências contábeis ou omissões administrativas acabam sendo interpretadas como indicativos de dolo, especialmente quando não há registros que comprovem a boa-fé ou o esforço para a regularização da situação.
Essa característica torna o campo tributário ainda mais sensível e exige das empresas um grau elevado de atenção e rigor. Quando a legislação presume dolo em determinadas condutas, qualquer descuido pode ter consequências severas — inclusive penais.
Como prevenir os crimes tributários em sua empresa
Há muitos motivos para prevenir os crimes tributários. Em primeiro lugar, porque a responsabilização civil ou administrativa da pessoa jurídica traz consigo muitas vezes a responsabilização criminal do gestor (gerente, sócio) que cometeu ou permitiu o ato. Fora isso, qualquer responsabilização da empresa na esfera administrativa, civil, ou, mais gravemente, penal, fere a reputação da empresa. A noção de confiabilidade de qualquer negócio é essencial para a captação e manutenção de clientes. Logo, uma empresa que tem sua reputação manchada pode perceber efeitos negativos como a queda no faturamento, diminuição de contratos, entre outros.
Na busca por prevenir os crimes e garantir a higidez reputacional de uma empresa, a adoção de uma política de compliance jurídico é uma grande aliada. Essa política deve ser individualizada e considerar as especificidades de cada negócio, passando, por exemplo, pela análise detalhada do marco regulatório que engloba sua atuação. Outras medidas incluem a avaliação de riscos do negócio de forma constante. Logo, se o compliance encontrar alguma inconformidade, é possível corrigir o problema antes que esse leve a alguma responsabilização na esfera jurídica.
Além disso, no evento de uma fiscalização tributária em sua empresa e a aplicação de alguma responsabilização, o compliance pode ajudar a impedir sanções na esfera criminal. Demonstrar, com transparência, a política de compliance permite que seu negócio se apresente uma sofisticação estrutural que será reconhecida pelos fiscais.
Rigor contábil e tecnologia: aliados da conformidade
Ainda em relação ao complexo sistema tributário do Brasil, investir numa política de compliance jurídico deve andar de mãos dadas com uma contabilidade fiscal rígida. Afinal, em um cenário de uso cada vez mais intenso da Inteligência Artificial (IA), mecanismos de controle fiscal tendem a se tornar cada vez mais rigorosos e sofisticados. Em setembro de 2024, por exemplo, auditores-fiscais e analistas-tributários brasileiros anunciaram o desenvolvimento de uma ferramenta baseada em IA para contribuir com a identificação de fraudes e ilegalidades tributárias. O Projeto Analytics permite até a cooperação entre administrações tributárias estrangeiras, representando um salto para a fiscalização tributária.
A prevenção começa no topo
Para o empresariado fica o lembrete de que a prevenção de crimes tributários deve ser a norma. Isso depende, contudo, do comprometimento da alta direção. Sócios e gestores devem estar cientes de que, iniciado o processo penal, não se discute se houve ou não intenção, mas sim quem tomou a decisão e quem poderia ter evitado o problema.
Por isso, não espere a fiscalização chegar para agir. A mitigação de riscos deve ser constante, estratégica e alinhada com o crescimento sustentável de sua empresa.
Fontes:
Elisão Fiscal: O que é e passo a passo
Crimes tributários: Quais são e como evitar para sua empresa
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm
LAUFER, D.. O papel da governança tributária na prevenção de crimes tributários e de lavagem de dinheiro. In: II Congresso Brasileiro de Governança Tributária, 2014, Curitiba. Anais do II Congresso Brasileiro de Governança Tributária. Curitiba: Blanche, 2013. v. 01. p. 55-70.