O mês de maio busca conscientizar e reduzir os acidentes de trânsito.
O transporte rodoviário é uma das formas mais utilizadas para locomoção no Brasil. De acordo com a Confederação Nacional dos Transportes (CNT) 64,8% do transporte de cargas é realizado pelas rodovias. Quando o assunto é transporte de passageiros, o panorama é similar. Uma pesquisa da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) demonstra que automóveis (25,9%), ônibus (24%) e motos (4,4%) são os meios de transporte mais utilizados para deslocamento no Brasil.
Nossa malha viária é usada intensamente por todos e, como consequência, acidentes de trânsito, infelizmente, fazem parte de nossa realidade diária. Segundo o Observatório Nacional de Segurança Viária, o Brasil registra cerca de 35 mil mortes por ano no trânsito e mais de 230 mil pessoas com sequelas graves.
Naturalmente, ao pensarmos sobre acidentes de trânsito, surge a questão da responsabilização e reparação. Aqui, uma diferenciação importante se faz presente: o que distingue um acidente e um crime de trânsito? Essa discussão fica ainda mais complexa quando consideramos as empresas. Neste artigo, vamos responder a esta pergunta e trazer informações importantes sobre onde o Direito Penal Empresarial e a segurança viária se encontram.
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Acidente ou crime?
Toda empresa que utiliza transporte rodoviário — seja essa a atividade fim da empresa (como transportadoras) ou não (como uma fábrica que oferece ônibus para o deslocamento de seus colaboradores) —, corre riscos, pois o transporte em si já é arriscado. Essa situação é ainda mais evidente em um país que depende tanto da sua malha viária.
A maioria das ocorrências é de acidentes, causados por força maior ou caso fortuito. Os crimes de trânsitos, por sua vez, ocorrem quando há dolo (a intencionalidade da ação) e, na maior parte das vezes, culpa (sem intenção, mas a partir de ação ou omissão imprudente, imperita ou negligente). Nesses casos, o que caracteriza essa culpa dentro das empresas? E como evitar essas situações?
A responsabilidade das Pessoas Jurídicas
No tema da responsabilidade penal, é importante lembrar que a empresa, enquanto pessoa jurídica, não pode ser responsabilizada criminalmente em casos de crimes de trânsito. Mas os sócios, diretores, gestores e responsáveis operacionais podem. As consequências criminais podem existir mesmo sem intenção de cometer o crime. Basta comprovar a omissão, negligência ou falhas no dever de cuidado para que haja culpa e, consequentemente, responsabilização.
Logo, quem tinha o dever de evitar o risco, e não o fez, pode responder criminalmente. Excesso de peso comprovado por nota fiscal, veículo sem manutenção adequada, estrada sem manutenção adequada, jornada de motoristas que excedem o permitido por lei, falta de controle e rastreabilidade da operação são alguns dos inúmeros exemplos.
Quando esses fatores resultam em morte ou lesão, o que era uma infração administrativa pode se tornar um crime culposo, com repercussões penais para os gestores e sócios.
A boa notícia é que é possível prevenir riscos jurídicos. Quando uma empresa adota uma cultura de governança e prevenção, ela se distancia do risco penal. Já gestores e sócios que buscam fazer mais com menos, negligenciando assim o cuidado com suas operações, arriscam ser alvo de ações penais. Por isso, é essencial adotar medidas de mitigação de riscos. Mas como fazer isso?
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O que sua empresa deve fazer
O Direito Penal não deve ser visto apenas como punição, mas também como uma ferramenta de dissuasão e proteção coletiva. Nas empresas, isso se traduz em políticas de segurança viária e estratégias de compliance.
É essencial, por exemplo, promover treinamento para os funcionários, implementar sistemas de controle de jornada, manter cronogramas de manutenção preventiva, ter uma gestão atenta dos funcionários e suas necessidades e garantir a rastreabilidade da frota (por tacógrafos, apps). Além disso, é essencial documentar todas as ações da empresa em relação à promoção da segurança viária.
As vantagens são nítidas, pois empresas com protocolos de segurança no trânsito reduzem riscos de responsabilização penal a seus líderes. E essa absolvição penal pode, inclusive, isentar de responsabilidade cível ou diminuir os custos com indenizações.
Aconteceu. E agora?
Mesmo com todos cuidado, acidentes de trânsito ainda podem ocorrer. E se a partir deles um processo criminal for iniciado contra representantes da empresa, o melhor a se fazer é preservar provas, verificar e demonstrar que protocolos de segurança estavam em vigor, colaborar com as investigações, avaliar internamente se houve falha pontual na operação e, se necessário, rever e corrigir processos internos. Uma postura ativa e responsável pode ser decisiva para mitigar ou até mesmo afastar a responsabilização penal.
Problema coletivo, responsabilidade coletiva
Neste texto, buscamos trazer a perspectiva da pessoa jurídica, contudo, um cenário tão complexo como o nosso merece atenção de vários atores. O tema da campanha Maio Amarelo deste ano, “Mobilidade Humana, Responsabilidade Humana”, revela nossa responsabilidade compartilhada na construção de um trânsito mais seguro. As pessoas físicas devem adotar boas práticas de condução, o Estado deve zelar pela infraestrutura rodoviária do país, e as pessoas jurídicas, conforme demonstrado, devem adotar uma cultura de governança e prevenção.